Eu vivo em uma família de dentistas. É estranho dizer isso, mas é a verdade. Meus avós são dentistas, meus pais se conheceram na faculdade de odontologia e agora o meu irmão está saindo de casa para começar sua própria jornada como futuro dentista. E eu? Bom, desde que eu nasci nunca houve muita conversa sobre o que eu seria quando crescesse, porque a resposta para essa pergunta estava implícita. E para falar a verdade, eu nunca pensei muito no que eu queria ser, porque nunca precisei pensar em algo diferente para a minha vida.
Minha família é uma típica família democrata do estado de Washington. Não temos um cachorro, porque papai é alérgico a pelos, mas temos uma tartaruga adolescente, o William (de William Shakespeare). Eu sou o irmão do meio, Alfie é o irmão mais velho e temos Alma como irmã mais nova. Como dentistas, meus pais não passam muito tempo em casa, só estão conosco durante a noite e integralmente nos finais de semana, as vezes papai trabalha nos sábados ou as vezes passa o dia todo jogando tênis. Mas aos domingos estamos todos em casa religiosamente.
Alma é três anos mais nova que eu e está terminando o ensino fundamental. Parece que ela é popular por lá, nunca esperaria isso. Meu irmão, Alfie, não era popular, mas também não passava desapercebido. Ele é só dois anos mais velho que eu e foi nas suas sombras que eu sobrevivi esses últimos anos de ensino médio. Agora eu estaria por conta própria. Não será assim tão difícil. Tento me convencer.
Meus pais são parecidos conosco. Minha mãe é baixinha e com os cabelos escuros. Meu pai é alto, sempre com a barba por fazer. seus olhos escuros e seus cabelos estão começando a cair devido ao uso constante do gorro cirúrgico e também há um dedinho da genética, e os que restam estão ficando brancos por conta da idade. Saber que a calvície é o meu futuro não é nada animador. Eles sempre foram muito exigentes com o nosso estudo, mas não é a pior parte de ser uma criança que tem pais dentistas. Eu provei a minha primeira bala quando entrei no ensino médio, em um ato de rebeldia. Além do fato de termos que usar aparelho precocemente. O que eu preciso agradecer por ter me livrado de ser o garoto de aparelho durante todo o ensino médio.
- Você vai querer suas meias de inverno? – Pergunto para o meu irmão já segurando as suas meias de lã pesada com a intensão de guarda-las nas minhas coisas.
- Eu não vou precisar delas na California. – Ele responde.
Estamos organizando suas malas há um mês por pura preguiça. Todos os dias fazemos um pouco. Guardamos meia dúzia de camisas ou calças e paramos para fazer qualquer outra coisa. Mentimos para nós mesmos dizendo que estamos apenas aproveitando o tempo como irmãos, mas na verdade não estamos fazendo nada de especial, só não queremos fazer as malas.
Alfie vai embora em quatro dias com a promessa de voltar aos feriados. Estamos esperando que ele cumpra essa promessa de verdade.
- Você não precisava ir para tão longe. – Eu digo separando uma regata nova que ele comprou só para usar na California.
- Não é longe nada, Archie, California é literalmente aqui ao lado. – Ele diz pegando a regata da minha mão e guardando em sua mala.
- Eu sei, mas é muito grande. – Eu argumento. Vivemos em Seattle, lá não deve ser muito pior. – Pelo menos você vai estar com Pembroke.
Pembroke é a namorada do meu irmão. Eles estão juntos desde que tinham treze anos. Um pouco precoce demais se me perguntarem. Eu, aos dezesseis anos, nunca beijei ninguém e acho que ainda estou longe dessa oportunidade. Pem é irmã do meu melhor amigo, John John. Na verdade, éramos inimigos no fundamental, mas John John percebeu que não conseguiria ser o mandachuva no ensino médio e acabamos amigos.
Quando nossos irmãos começaram a namorar foi o meu purgatório. JJ me torturava, foram três anos difíceis, até o ensino médio e o nosso acordo de paz.
- Em dois anos vamos nos casar. – Ele diz com ar sonhador.
Meus pais não concordam muito com isso. Eles querem que em dois anos eles estejam noivos, mas não casados, eles acham que algo pode dar errado até o fim da faculdade e os dois se separarem, apesar de todos aqui de casa amarem Pem.
- Você vai me deixar ser o padrinho, não é?
- Claro que sim. Você e o JJ serão meus padrinhos e a Alma será a dama de honra de Pem.
- Vai ser na primavera ou no verão?
Alfie revira os olhos com a minha pergunta. É óbvio que ele não faz ideia. Por ele, esse casamento aconteceria agora, com ele vestindo uma bermuda e uma camisa do Star Wars que é como ele está agora. Na cabeça do meu irmão, ele está apenas adiando o inevitável. Ele não está nem aí se os dois são estudantes que não têm onde caírem mortos.
- Não sei, maninho. Vai ser quando a Pem escolher. Acho que ela vai preferir a primavera. Mas se bem que no verão vocês estarão de férias.
- Você também precisa pensar no vovô, ele não gosta de ficar em lugares muito quentes. – Eu lembro.
A verdade é que o nosso avô chegou em uma idade onde ele não gosta de ficar em nenhum outro lugar que não seja a casa dele. É difícil convence-lo a vir jantar conosco ou passar um fim de semana com sua família.
- Eu sei bem disso. Agora passa essa calça de moletom. – Alfie diz e eu jogo a calça na cabeça dele. – Muito engraçado, Archie, muito engraçado.
Nós finalmente terminamos de fazer a sua mala de roupas. Ainda há uma mala com calçados e uma outra menor com algumas coisas que Alfie possa precisar como remédios, livros, produtos de higiene e muito mais.
Quando terminamos, no final da tarde, Alma está de volta. Alma tem apenas treze anos e é totalmente independente. Está sempre na casa de uma amiga diferente e nas férias a sua rotina não mudou.
- Os pais da Stacey se separaram. – Ela chega anunciando a notícia ao nos encontrar na sala.
Stacey é uma colega de Alma, ela é irmã de um garoto da minha escola. Ele será um sênior agora.
- Será que seremos os únicos filhos da escola do bairro cujo os pais não se separam? – Eu pergunto.
- O amor é complicado, Archie e as vezes nem ele é suficiente.
Eu não entendo. Eu não entendo porque para mim só o amor basta. Não é isso que os livros nos mostram? Uma paixão arrebatadora que dura a vida toda e que supera todos os percalços. Mas do que eu sei se nunca amei ninguém de verdade?
- É, é complicado mesmo.