No sábado acordo com uma disposição ímpar.
Na verdade, acho que a minha disposição vem da frustração. Estou frustrado por todos os acontecimentos da semana e o meu corpo precisa expulsar esse sentimento, essa sensação de que tudo está uma grande merda.
Pego minhas roupas de ginástica e visto-as. Nos últimos dois anos eu tenho tentado sem sucesso praticar algum esporte. A cada três meses eu desisto da academia e assim vou mantendo um corpo aparentemente dentro dos padrões de saúde. Procuro os tênis de corrida de Alfie, ele tem alguns pares que não levou para a Califórnia.
Meus pais ainda estão em casa quando desço as escadas e começo a preparar um café da manhã que não faça desmaiar no meio do percurso, mas que também não me faça vomitar.
- Para onde você vai, Archie? – Pergunta a minha mãe desconfiada.
- Correr. – Digo mordendo um pedaço de uma banana.
- Você está dizendo que vai correr? Está um pouco nublado, filho. – Diz o meu pai. – Tem certeza de que quer ir? Onde você vai correr?
- No parque, pai. Não precisa se preocupar, eu vou de carro. – Respondo terminando de comer a banana. Como alguns morangos também e há uma bebida láctea fermentada, não sei bem quem trouxe para casa, mas eu bebo toda a garrafinha.
- Não esquece que você precisa fazer as compras. – Lembra o meu pai.
- Podem deixar tudo em cima da mesa: lista, cartão de créditos, dinheiro. O que for preciso.
Quando termino de comer, corro para o banheiro, faço toda a minha higiene oral como foi-me ensinado quando eu tinha 2 anos. Me despeço dos meus pais no caminho para o carro.
Saio de casa e um vento frio chicoteia o meu rosto. Está mais frio do que eu pensava. Volto para dentro de casa e pego o casaco esportivo que Alfie deixou para trás. Fica um pouco grande em mim, mas me mantem aquecido. Finalmente saio de casa, entro no carro e começo a dirigir.
Escolho um parque que fica a uma distância considerável da minha casa e da minha vizinhança. Consigo estacionar nas redondezas do parque. Pego os meus airpods, escolho um algum do Father John Misty para escutar enquanto caminho. Faço um pequeno aquecimento ao sair do carro e ando vagarosamente até a trilha do parque, só então passo a correr.
Deixo a serotonina liberada pelo exercício físico tomar conta do meu corpo. Corro passando pelas árvores e por outros corredores. Escuto a voz grave de Father John Misty e o refrão viciante de hangout at the gallows nos meus ouvidos. Me concentro no caminho que estou fazendo e em não tropeçar em meus próprios pés.
Acho que a serotonina me impede de pensar em tudo o que vem tirando a minha paz ultimamente. Não penso em Vince, em fotos vazadas, em relacionamentos de mentiras, nas mentiras contadas por mim para o meu amigo e para a minha irmã. Penso no meu futuro. Em qual universidade quero entrar quais as opções. Posso ir para a Califórnia junto com o meu irmão. Acho que eu iria gostar do sol, do calor, das praias. Não viver constantemente debaixo de uma chuva fraca e raros dias de sol.
Mas eu gosto daqui. Gosto de Washington. Gosto do frio e do clima que eu já aprendi a decifrar em dezesseis anos. Eu sei bem como funciona esta cidade. Este estado. Penso também no meu intercâmbio. Eu posso ir para a Itália dessa vez, sempre quis ir para lá. Não precisa ser por muito tempo.
Dou voltas o suficiente na trilha do parque para que os meus músculos comecem a doer em protesto pelo exercício intenso feito de surpresa. Paro de correr e me dou conta de que estou completamente sem fôlego. Provavelmente estava correndo com a reserva de oxigênio dos meus pulmões. Minha boca está seca. Eu deveria ter trazido uma garrafa d'água.