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Ruggero

Macio, o cabelo da senhorita Sevilla é macio como eu havia imaginado. Eu queria que nesse ato desesperado de me abraçar, alguns fios tivessem se soltado daquele coque horroroso, mas isso não aconteceu. Então me contento em deslizar o dedo por seu cabelo e contornar o coque. E o cabelo dela é muito macio. Por que ela anda com esse penteado horrivel? Afasto-me dela ao perceber o que estou fazendo. Sua última frase bem humorada depois de tudo a que tinha sido submetida me surpreendeu a tal ponto, que me fez perder a consciência de que era ela, ali na minha frente, e eu tive vontade de tocá-la. 

Mas isso passou e agora preciso mesmo me concentrar na viagem que faremos daqui a algumas horas, não no cabelo macio e nas curvas dela encostadas em mim. No começo, ela me assustou com aquele abraço, e eu quis empurrá-la para longe da minha camisa cara, que agora está amassada e manchada de lágrimas, mas assim que passei os braços a sua volta, senti o calor do seu corpo colado ao meu. Seu cheiro me atingiu e alguma coisa me impediu de afastá-la. Deus! Estou ficando maluco! Ela está sentada na cadeira a minha frente e olha para todos os lados, menos para mim. Deve estar envergonhada pela atitude que teve. Sei que ela é durona, tenta não dar o braço a torcer, mas posso imaginar o que deve estar passando por pegar o noivo comendo outra.

 Lembro-me do estado em que a Victoria ficou quando eu a traí. Até que a Sevilla está segurando bem a barra. E eu estou parecendo "um mariquinha", psicólogo sentimental de mulheres, analisando o comportamento pós-traição dela. Meu Deus! Tento me concentrar no trabalho e volto a falar da viagem 

- A senhorita acha que estará pronta para a viagem às dezoito horas? 

- Sim senhor.

 - Então pode ir para casa. Eu passo para pegá-la às 17h30 para irmos ao aeroporto. O voo sai às 19h, mas temos que chegar cedo. 

- Não precisa me pegar. É mais fácil se eu encontrá-lo no aeroporto às 18h. - Prefiro não discutir. Concordo e dou o resto do dia de folga para ela. 

Quando ela sai da minha sala, viro minha mente para várias coisas ao mesmo tempo, para não pensar nela. Está perto da hora do almoço e resolvo comer no restaurante chinês que tem em um shopping próximo. Pego minha carteira e saio. Assim que chego à rua, avisto a senhorita Sevilla saindo do prédio. Ela parece acabada. Com a cabeça baixa, a bolsa velha pendurada ao ombro e sem os óculos enormes. Isso me surpreende de tal forma que paro e olho bem para o rosto dela. 

Como eu imaginava, a maldita é muito bonita! As maçãs proeminentes, os lábios cheios, os olhos de gata brilhando por causa das lágrimas. Fico ali parado, olhando para ela. Ela me vê com cara de bobo e para onde está. Espero que ela me mostre o dedo do meio, mas um homem aparece na frente dela, ofuscando minha visão. Ele pega a mão dela e a arrasta, e, assim que ele se vira eu o reconheço. É o tal do Henrique, o ex-noivo dela. Pelo vídeo que vi no Youtube, ela parecia constrangida com a perseguição dele, mas agora, ela está tão triste, tão desanimada, que não fala nada quando ele a arrasta até um canto para conversarem. E eu sei que a senhorita Sevilla normal não o deixaria a arrastar assim. 

Ela diria algum impropério, gritaria alguns palavrões, o empurraria, socaria a cara dele, faria qualquer coisa, mas não se deixaria levar como está fazendo. E isso me preocupa, o que há de errado com ela? Será que ainda o ama? Será que está sofrendo por causa do término do noivado? Ele pega na mão dela e a arrasta até o shopping, e quando dou por mim, já os estou seguindo. Eles se sentam na praça de alimentação e ele pede alguma coisa, ela apoia a cabeça nas mãos e fica assim. Eu também me sento na praça de alimentação e peço uma pizza, deixo a comida chinesa para outro dia. De onde eu estou, posso vê-los bem, o cara fala apressadamente, gesticula, vez ou outra pega a mão dela.

 A comida dele chega e ele começa a comer e a falar ao mesmo tempo. Espero que ela faça uma careta pela falta de educação dele, mas ela está com a mesma expressão desligada, como se não estivesse ali, olha para o nada e não diz uma só palavra. Eu mal consigo comer a pizza, tão absorto estou na cena diante de mim. Eles ficam lá por uma hora mais ou menos. Eu assumo que não estou com apetite para comer o pedaço de pizza que ainda tenho no meu prato. Durante todo o tempo ela não diz uma palavra. 

Nem quando ele a toca. Eu conheço esse estado, me parece desprezo. Ele começa a ficar desesperado. De repente ela se levanta e pega sua bolsa velha. Ele se levanta também e sai a seguindo. Eu solto um palavrão por ela ter se levantado de repente e deixo uma nota de cinquenta na mesa, chamo o garçom para que ele veja que eu paguei e saio apressado seguindo os dois. Eles caminham até o prédio dela, onde ela se vira e finalmente fala alguma coisa para ele. Ele coloca um papel no bolso do casaco dela, que ela nem faz questão de ler.

 Ela parece se despedir e quando se vira para entrar no prédio, ele a puxa e a beija e então ela volta a ser a Sevilla que eu conheço. Empurra o e desce um tapa na sua cara. E eu não posso conter a gargalhada que escapa. Volto ao prédio correndo para pegar minhas coisas e ir para casa, e Lino me aguarda na minha sala. Nós três: Agustín, Lino e eu, somos amigos de faculdade e fundamos juntos o negócio. Agustín é muito sério, mas Lino e eu temos gostos parecidos, só que ele é mais porra louca que eu. 

- Onde diabos você estava homem? -pergunta ele. 

- Por aí.

 - Por ai o caralho! Eu vi você descendo para almoçar e fui atrás de você para almoçarmos juntos. Percebi você feito um pateta olhando para aquela secretária mal vestida do Agustín, e depois vi que ela saiu com um cara e você os seguiu - ele passa a mãos pelos cabelos - Porra! Ruggero, você seguiu uma mulher?

- Por que você estava me seguindo? 

- Eu não estava seguindo-o. Você estava seguindo aquela garota estranha. Qual o seu problema - Dou de ombros.

 - Foi só curiosidade... Você viu o video, ficou sabendo do telefonema dela na reunião; eu fiquei curioso! 

- Tá, pelo vídeo e pela história do telefonema, parece que o namorado dela comeu a secretária e agora está se humilhando pelo perdão dela. Normal, já cansamos de ver essa cena. Por que a curiosidade a ponto de segui-los? 

- Não foi nada demais, Lino. É que eu a contratei para a viagem, e fiquei curioso quando a vi como ex, só isso! - Ele não parece convencido. 

- Sei. Abre o seu olho garanhão, abre o seu olho!


SÓ CURIOSIDADE!!

Cretino irresistívelOnde histórias criam vida. Descubra agora