— Sempre pontual.
A voz carregada de ironia foi a primeira coisa que Marta ouviu ao parar diante dele. Ele estava ali há mais de quarenta minutos, o que, para um homem tão metódico, devia parecer uma eternidade.
— Tive um imprevisto. Quase não vim.
— O mundo moderno inventou algo chamado celular. Anda no bolso, faz ligações. Poderia ter avisado. — A resposta veio seca, afiada.
Marta cruzou os braços, exalando impaciência.
— Estou aqui, não estou?
Ele soltou um riso curto, sem humor.
— Vamos parar com esse teatro, Marta. Você quer esse divórcio tanto quanto eu. E sabe muito bem por que fui embora.
— Você já não estava presente há muito tempo.
— Eu estava trabalhando para sustentar você e a MINHA filha.
— Nossa filha!
— MINHA! Você nunca quis ser mãe. Nunca quis essa responsabilidade.
Marta desviou o olhar, apertando os dedos sobre a mesa.
— E por isso me traiu com a empregada?
O silêncio que se seguiu foi carregado. Ele respirou fundo antes de responder.
— Eu não te traí. Você acompanhou todo o processo. Estava lá quando a Meire fez a inseminação. Você consentiu. Nós tínhamos um acordo.
— Mas no acordo não estava escrito que ela morreria no parto. Ela seria a mãe, não eu. Eu só iria assiná-la como minha filha. Mas o trabalho pesado seria dela.
Ele bateu a palma da mão na mesa, os olhos faiscando.
— Foi uma fatalidade, Marta! E Camila não tem culpa! Ela cresceu achando que você era a mãe dela!
Ela riu, sarcástica.
— Quanto mais ela crescia, mais parecida com a Meire ficava. E eu não conseguia vê-la como minha filha. Para mim, sempre foi uma intrusa.
— E foi por isso que engravidou de outro?
Marta abriu e fechou a boca, sem resposta imediata.
— Foi um erro. Uma irresponsabilidade. Você sabe que eu nunca quis engravidar. Nem dele, nem de você. De ninguém!
— Mas ainda assim, eu te perdoei. E disse que assumiria essa criança.
Ela o encarou, tensa.
— Eu nunca quis ser mãe. Nunca tive esse dom.
— Então simplesmente deu a sua filha para outra família?
— Ela está bem! Você sabe disso! Patrícia e Ricardo a amam. Eles sempre quiseram um filho, e Camila e Beatriz cresceram juntas. Sempre se viram como irmãs, mesmo sem saber a verdade. Então por que mexer nisso agora?
A resposta dele veio dura, cortante:
— Porque minha filha sofre. E sofre por sua causa. Ela merece saber a verdade. Merece saber que você não é a mãe dela. E que Beatriz é sua irmã.
— Não! — Marta se inclinou para a frente, os olhos ameaçadores. — Beatriz não é irmã dela. Camila não é minha filha biológica. Ela é SUA filha, com a empregada! Beatriz é fruto do meu caso com o Juan. E nem eu e nem ele queremos trazer isso à tona.
Ele cerrou os punhos, o maxilar travado.
— Se quer contar a verdade para Camila, faça isso. Mas deixe Beatriz fora disso. Se alguém tiver que contar, são Ricardo e Patrícia. E eu tenho certeza de que eles nunca vão querer isso.

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ABISMO
RomanceEla está afundando. Ele está brilhando. Mas e se, no fim, ambos estiverem perdidos? Camila sempre teve tudo: dinheiro, privilégios, excessos. Mas quem olha de perto vê as rachaduras - festas intermináveis, vícios perigosos, mentiras que a sufocam. E...