Era uma vez: Parte I

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Eu estou com fome, todos os dias. TODOS OS DIAS. Mas eu prefiro isso do que a vida que eu levava em Davenport, tudo é melhor do que o horror que eu vivia naquela casa.

Já se passam trinta e oito dias desde que saí de lá e vim viver nas ruas de Chicago. Devo confessar que é sem dúvidas mais desafiante que qualquer coisa que alguma vez fiz, não tomo banho com muita frequência, o que é horrível, durmo na rua porque as casas de acolhimento são muitas vezes ocupadas por pessoas pervertidas e com más intenções. Não como com frequência porque o dinheiro que faço no dinner não é o melhor, por isso para comer eu costumo cometer alguns furtos em lojas. Não me orgulho disso mas o lema é sobreviver ou morrer.

Com o dinheiro que faço no dinner, pago algumas pensões para dormir ou algumas casas de aconselhamento para tomar banho.

Entrei num pequeno supermercado um pouco distante de onde eu costumava dormir e olhei para ver se as câmeras de seguranças estavam ligadas e consegui ver que era só para causar um receio nas pessoas pois a câmera não era verdadeira e não tinham um sensor anti-furto na porta.

- Boa tarde. - Eu disse para o senhor e ele acenou

Peguei num sumo, dois pacotes de chips, chocolates e uma garrafa de água e coloquei-os na minha pasta.

Praticamente era o que eu fazia em todas lojas e nunca era apanhada. Eu já fiz isso tantas vezes que quando decidi fazer outra vez parece algo completamente ordinário. É como mijar numa piscina, a culpa é menor que mandar a situação se foder.

Quando eu estava para sair, o ouvi a voz o senhor a chamar por mim.

- Não vais pagar por isso que levaste? - ele perguntou

Mostrei-lhe as mãos vazias e comecei a notar que as pessoas estavam a olhar.

- Eu não tenho nada.
- Podes abrir a pasta para provamos isso?
- O senhor está a duvidar de mim? - falei ofendida.

Tento controlar a respiração e a palpitação para evitar que a minha cara expresse medo ou preocupação.

- Por acaso. Preciso ver a sua mala, agora.
- Mas eu não levei nada. - falei calmamente
- Mostra.

Um moço que realmente queria pagar as suas cervejas, parou enquanto esperava o barraco que senhor queria criar, acabar.

- Eu não sou obrigada.
- Menina, eu vou chamar a polícia se não fizeres isso.
- Chama. - atrevi-me.
- Amor, tudo bem. - o único moço que estava ali parado à espera disse - Ele já percebeu e eu também já percebi que tu realmente tens coragem de colocar coisas na pasta e tentar sair.

As poucas pessoas que estavam ali paradas porque deixaram de fazer o que realmente vieram fazer, continuavam a olhar para tentar perceber o que realmente estava a acontecer.

O moço estava a tentar ajudar-me?

Não.

- Tira lá as cenas e vamos pagar. - ele disse
- Vocês estão juntos?
- Sim.

Ele disse enquanto tirava a carteira de dinheiro do bolso de trás das calças e eu tirei as coisas da pasta, literalmente sem vergonha na cara.

- Evitem brincar assim. Podem vir a parar na cadeia por causa dessas coisas. - o senhor avisou-nos.
- Percebido. Obrigada - Sorri falsamente e levei as minhas coisas que o moço havia pagado.

Quando saí, coloquei as coisas de volta na pasta e vi o moço a andar em direção a um carro que não parecia barato, sem nunca dirigir-se a mim.

- Não precisavas fazer aquilo sabes? - gritei para ele.
- Eu sei. - ele disse
- Porquê o fizeste?
- Porque eu estou com pressa. - ele revirou os olhos - E ele não parecia que ia largar o assunto e tu não parecias que ias entregar-lhe a pasta tão já.
- Pois. Obrigada. Ninguém teria feito isso.

Virei-me para ir embora quando a voz dele interrompeu-me a caminhada.

- Não tens medo de ser apanhada?
- Acabo de ser apanhada. Viste algum medo?

Ao invés de responder, ele continuou a olhar para mim não muito impressionado.

- Já foste apanhada mais vezes?
- Pensei que estivesses com pressa.
- Afinal de contas a minha cena pode esperar. Sim ou não? - ele insistiu
- Já. Duas vezes. Contando com esta.
- De quantos furtos?
- Eu sei lá. - encolhi os ombros - Vinte? Trinta talvez.

Os olhos dele abriram-se e um sorriso dos seus lábios lhe escaparam.

- Janta comigo. - ele disse
- Porquê?
- Porque eu quero a tua companhia.
- Não é recíproco.
- A sério?

Eu já não me dou o trabalho de engatar homens porque nem banho que é base tomo com frequência. Não encontro motivos de engatar ou de ser engatada, e de repente me aparece este idiota. Então ter um padrão com elevados requerimentos num homem não é muito viável, principalmente se tomamos em consideração a vida que ultimamente tenho levado.

Ele é alto, estava vestido de preto casualmente, cheirava muito bem e tinha o cabelo médio, volumoso e com o gel a puxá-lo para trás e sem dúvidas podre de lindo, sensual posso assim dizer. Ele não pode querer alguma coisa comigo, não teria nexo.

Ninguém disse que ele quer alguma coisa contigo palhaça. Minha consciência gozou.

- Porquê jantar?
- Preferes pequeno-almoço? Ou almoço talvez.
- Porquê é que queres ver-me outra vez?

Ele encolheu os ombros.

- Pareces uma miúda porreira. Não tenho encontrado pessoas como tu a muito tempo...pelo menos não do sexo oposto.

Olhei para ele com o ar desconfiado.

- O que me garante que não sejas um traficante de seres humanos ou um violador em série que depois mata as suas vítimas?
- Nada. Simplesmente terás de confiar em mim. Mas garanto-te que de tudo que sou, essas coisas não constam na lista.

Continuei desconfiada, mas decidi arriscar e aceitar a proposta.

- Munich Bennet. - estiquei o meu braço, ele pegou-me a mão e cumprimentou-me
- Mason Winchester.
- Podes vir buscar-me às sete no dinner 66.
- Porquê num dinner?

Porque não tenho uma moradia.

- Não posso arriscar que saibas onde vivo. Até logo Mason Winchester.
- Estou ansioso para voltar a ver-te Munich Bennet.

Voltei para a pensão onde eu havia pago para ficar três noites e deitei-me na cama virada para o teto e pus-me a pensar no que havia de vestir e onde é que eu poderia guardar a minha canivete em caso de emergência.

Abri a minha pasta e tirei o meu curativo, peguei na canivete e passou-me um pequeno flashback no momento que eu tinha a faca na mão mas decidi voltar ao presente num instante. Deixei as duas coisas por cima da cama assim como a roupa que decidi vestir.

Entrei no banho, depois de amarrar as minhas tranças sintéticas num coque. O meu cabelo requer muitos cuidados que não posso pagar, o número de produtos que ele precisa é uma refeição num dinner para dois meses consecutivos por isso passo o tempo a trança-lo.

Decidi usar uma saia de estudante e uma camisola. Deixar a canivete no bolso é demasiado previsível, por isso coloquei-a no lado direito da minha perna e fixei-a com o curativo. Testei o meu andar, o meu sentar e como eu poderia tirá-la o mais rápido possível e assim que deram seis e meia, desci e caminhei até ao meu local de trabalho onde cheguei exatamente às sete.

Vi um carro que parecia o dele mas ninguém estava lá dentro, por isso decidi espreitar dentro do local onde vi o meu chefe e colega de trabalho. Cumprimentei-os, rondei os olhos pelo café e numa mesa junto à janela, vi alguém que se assemelhava ao Mason, dirigi-me até lá e confirmei a teoria.

- Vieste! - Ele disse assim que me viu
- Sou uma mulher de palavra. - retorqui enquanto me sentava.
- Quem é que disse que vamos ficar aqui?
- Porquê é que estás sentado?
- Porque estava a tua espera. - ele levantou-se. - Vamos lá.
- Para onde?
- Elysian.
- Eu não tenho dinheiro para pagar Elysian.
- Quem disse que vais pagar a conta? Fui eu que convidei-te, eu é que vou pagar, não te alarmes. - ele falou desinteressado enquanto se dirigia para saída. - Vens ou não furtiva?
- Cala boca. Eu trabalho aqui. - sussurrei assim que fui atrás dele.
- A sério? - ele voltou a olhar para o sítio antes de entrar no carro.

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Hostage (A Refém)Onde histórias criam vida. Descubra agora