Capítulo 3

752 37 78
                                    

Havia algo complexo na ideia de casa. Casa não era só o lugar em que alguém habita, mas talvez a lembrança onde se guarda costumes, rotinas, algo que um dia fez parte de sua vida e por algum motivo não faz mais. Katie ainda pensava em Manhattan como sua casa, apesar de não visitar o local com frequência. Ainda tinha boas lembranças de sua infância, dos almoços felizes com a mãe no Central Park, dos passeios com Mark, das tardes divertidas na casa de Savvy, dos fins de semana na casa da avó, de todas aquelas luzes que lhe encantavam especialmente a noite – ou na temporada natalina. As ruas de Manhattan continuavam exatamente as mesmas, não fossem pelas poucas pessoas que ainda usavam máscaras enquanto entravam e saíam de lojas de vitrines bem decoradas. O uso já não era mais obrigatório na cidade, já que a maioria da população estava imunizada, mas havia se tornado um hábito para qualquer gripe simples – o que não era algo ruim. Há alguns meses, nesse mesmo horário, se parasse naquele mesmo sinal, se veria diante de uma Time Square completamente vazia, o que lhe fazia sentir calafrios só de imaginar. Não havia necessidade de passar por aquela rua para o caminho que estava fazendo, mas queria se certificar de que o mundo estava voltando a ser como antes, e que Nova York não era a cidade vazia que assistiu pelos noticiários de Zurique.

Passou o tempo inteiro na balsa lendo um livro. Poderia atravessar dirigindo, mas preferiu relaxar e sentir o vento em seu rosto enquanto atravessava a cidade. Aquela era uma experiência quase turística. As pessoas costumavam correr para a grade quando avistavam a estátua da liberdade, e Katie chegou a sorrir pensando: "Olá, sra. Liberdade!" Estava em casa. Vê-la depois de tanto tempo fazia com que sentisse isso. Tinha nascido naquele lugar, era programada geneticamente para não gostar de qualquer outro ao oeste de Manhattan.

Pegou o carro quando a balsa chegou do outro lado, em State Island, e dirigiu até o bairro familiar em que a avó morava desde sempre. Ali, tinha certeza, nada mudara. Às vezes se perguntava se as crianças da vizinhança eram exatamente as mesmas brincando na rua no horário da tarde. Estacionou em frente à casa de Carolyn, e desceu chamando a atenção de alguns vizinhos enquanto caminhava até a porta. "Essa é a neta que não aparece nunca. A filha do Derek." Os imaginava cochichando, pois era exatamente assim que a avó lhe apresentava para alguém quando precisava. "Essa é a minha neta, Katie. A filha do Derek, que não aparece nunca em casa porque é um médico muito ocupado." E seguia acrescentando outros inúmeros motivos pelos quais o filho não ia nunca até Nova York.

- Surpresa! – exclamou assim que Carolyn abriu a porta.

A avó deu um passo para trás parecendo assustada, e colocou uma mão sobre a boca aberta pela surpresa de ver a neta.

- Katie!!! – exclamou puxando seu corpo para um abraço apertado. – Ah meu deus! O que você está fazendo aqui?

- Eu disse que visitaria você quando estivesse na América, não disse?

- Meu deus! Olha só pra você!!! Como você está linda! – ela exclamou afastando um pouco seu corpo para olhá-la de cima a baixo.

Mas logo a puxou em um novo abraço, quase a esmagando. Katie retribuiu. Talvez não nas mesmas proporções, porque os braços fortes de Carolyn apertavam os seus, quase evitando que se movimentasse. Estava feliz em rever a avó. Puxou o ar sentindo aquele cheiro familiar que ela tinha. Era o cheiro de avó, característico, impossível identificar qual o perfume específico, pois eram a mistura de vários aromas. Era o cheiro de avó comum que nunca esperou encontrar em Bizzy, mas que adorava ter em Carolyn.

- Eu pensei que você não viria essa semana. Pensei que ia passar mais tempo com o seu pai em Seattle. Entra.

Katie entrou olhando em volta enquanto a avó fechava a porta. A casa estava idêntica.

Muscle memoryOnde histórias criam vida. Descubra agora