Capítulo 25

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Katie continuou morando na casa dos residentes e frequentando o hospital o mínimo de tempo possível. Geralmente ela só ia lá pela manhã para fazer as simulações e testes com Richard, depois se reunia com Eva para saber como estavam os treinamentos para sua própria cirurgia e voltava para casa. Henry ficava preocupado. Ele não gostava de deixá-la sozinha, mas naquela ocasião continuava sendo um residente do programa, então precisava fazer seu trabalho. Katie, por outro lado, gostava de ficar sozinha em casa. Quando todos estavam fora ela se sentia à vontade para andar em todos os cômodos, assistir TV na sala, deitar no sofá ou fazer o que sentisse vontade. Como costumava viver quando morava sozinha. Antes de todo drama acontecer. Aquilo era o que ela mais desejava naquele momento – voltar pra sua vida de antes, voltar a viver sozinha.

Em um dos dias sozinha em casa, ela estava na sala ouvindo música clássica com o fone de ouvido em último volume, movimentando os braços no ar enquanto sentia as ondas da música passando pelo seu corpo, gerando movimento. Resolveu correr até o quarto de Henry, onde pegou uma bolsa pequena que levava para todos os lugares. Era uma espécie de nécessaire, onde ela guardava suas coisas básicas e levava na bolsa. Cremes, maquiagens, lenços de limpeza e uma sapatilha de ballet. Qualquer pessoa poderia estranhar que ela tivesse uma sapatilha de ballet dentro do nécessaire, mas aquilo era algo que a conectava com uma Katie que vez ou outra chamava por ela, há qualquer momento. Estava chamando agora.

Desceu novamente para a sala e afastou os sofás para abrir espaço ao meio do cômodo para que pudesse dançar à vontade. Gostava de fazer aquilo com os olhos fechados, sentindo as notas de Chopin, Beethoven, Mozart, Debussy, Argerich e tanto outros invadindo a sua alma. Seu preferido era Tchaikovsky, talvez pelas notas altas, carga dramática e música marcante. Ela gostava de quase todo o repertorio dele. Bizzy costumava questionar aquela preferência. Ela era a única pessoa da família com quem ela discutia assuntos como aqueles.

O Quebra-Nozes era o seu preferido. Lembrava de ter dançado aquilo em inúmeros recitais na escola de ballet que frequentou na infância e adolescência. Indiscutivelmente ela sabia que era boa naquilo. Poderia dançar aquele ballet em qualquer ato, qualquer personagem, em qualquer tempo, mas sempre era escolhida como Clara, a protagonista. Enquanto dançava pela sala da casa, Katie sentia como se tivesse voltado no tempo, como se estivesse ensaiando para fazer uma apresentação perfeita no fim de semana, mas na verdade estava dançando como se tivesse medo de não poder fazer isso nunca mais em sua vida. Aquele era um risco que ela estava correndo, que tinha se colocado pra correr. Quando Zander entrou em casa depois do turno de trabalho, ficou surpreso com o que estava vendo. Ela continuava dançando com os olhos fechados, rodando, abrindo os braços de forma delicada e parou assim que o viu.

- O-Oi! – disse tirando os fones do ouvido, os deixando cair como um colar em seu pescoço.

- D-Desculpa. Eu não queria atrapalhar.

- Não atrapalhou.

- Eu não sabia que você dançava desse jeito.

Ela sorriu e fez uma negativa com a cabeça. O suor que escorria em seu rosto fazia com que alguns fios de cabelos finos aparecessem como riscos em sua testa.

- Acho que nem eu lembrava mais que podia dançar desse jeito – respondeu em uma voz um pouco ofegante.

- É lindo! – o residente exclamou enquanto se aproximava. – Você arrasou!

Katie apenas sorriu. Continuava ofegante.

- Sério! A senhora, você...

- Você.

- Ok. Você. Você dança muito bem! Deveria ser dançarina e não médica! – ele disse sentando em um dos sofás.

- Por quê? Eu não sou tão boa médica quanto dançarina? – Katie perguntou.

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