O tratamento de quimioterapia foi algo fora do comum na vida de Katie. Não só porque ela nunca se imaginou naquela realidade, mas também porque tudo o que aquilo significava era mesmo muito depressivo. Às vezes saía de lá exausta, não por ter sido bombardeada por um monte de químicos, mas sim por ter ficado uma hora exata ouvindo as histórias depressivas das pessoas que a circulavam. Algumas vezes pensou em ir até a direção do hospital perguntar quanto teria que pagar para ter uma sala exclusiva, mas sempre que pensava em pagar por privilégios, lembrava de quando tinha 10 anos de idade e ouviu a avó comentando com Nancy que ela era privilegiada e arrogante como aquela gente. Sempre soube quem era aquela gente, nunca se sentiu ofendida por ser comparada com eles, mas não podia deixar de sentir uma certa tristeza por ser considerada diferente das pessoas de sua própria família. Era como se Carolyn deixasse claro que ela não fazia parte do mundo deles. Desde então, pensava pelo menos cinco vezes antes de usar o dinheiro para comprar privilégios. Aquela gente, tinha certeza, não pensaria duas vezes.
- Como é que você está? – Derek perguntou quando a filha entrou no carro e sentou ao seu lado puxando o cinto de segurança.
- Eu estou bem. Eu estou ótima, na verdade – ela respondeu.
Aquele era o fim da segunda semana de uma rodada de sessões quase diárias de quimioterapia. Derek se preocupava muito. Talvez por nunca ter vivido um momento em que realmente um dos seus filhos estavam doentes, de tê-los em um hospital, pensava na filha o tempo inteiro. Quando tinha um tempo livre no trabalho, estudava os exames dela; quando estava em casa, aproveitava para ler artigos sobre casos parecidos com o dela. Além de pai desesperado por uma solução que pudesse livrá-la daquele sofrimento o quanto antes, era médico e se sentiria inútil se não pudesse usar isso ao favor da própria filha.
- Tem certeza? – ele perguntou com um semblante preocupado.
- Sim.
- Você está com fome?
- Não. Eu comi lá dentro.
"Se é que se pode chamar aquilo de comida..." Katie pensou. Era um copo de suco, um sanduiche e uma fruta. Geralmente a mesma comida que os bancos de sangue davam para os doadores após as sessões. Na América do Sul ela lembrava de já ter ganhado bolinhos, e achava que o serviço deles de saúde pública era mesmo melhor do que o que os norte-americanos tinham.
- Ok, eu vou levar você pra casa.
- Não. Você vai me levar para o hospital. Eu tenho um monte de coisa pra fazer. Eu falei com o Richard ontem e ele me disse...
- Não, Katie – Derek interrompeu enquanto ligava o carro. – Você acabou de sair da sua sessão de quimioterapia. Você vai pra casa descansar.
- Eu não quero ir pra casa descansar, pai. Eu quero ir para o hospital, trabalhar. Eu tenho pelo menos três pacientes com cirurgias adiadas.
- Eu vou pedir para o Richard pedir pra Maggie...
- Eu não preciso que ninguém me substituía nas minhas cirurgias; assim como eu não preciso que você fique me buscando aqui como se tivesse me buscando na escola. Você não tem mais o que fazer? – ela perguntou.
- Tenho. Vou levar você pra casa.
- Me leva para o hospital!
- Eu vou levar você para o seu apartamento e a gente vai almoçar lá – Derek insistiu.
Katie contraiu os lábios e virou para a janela evitando contato visual com o pai. Detestava que as pessoas lhe contrariassem. Derek continuou em silêncio, apenas dirigindo. Ainda que ela insistisse para que ele não a acompanhasse nas sessões de quimioterapia e nem mesmo permitisse que ele entrasse com ela no hospital, todos os dias ele a levava e ficava aguardando no estacionamento até que a sessão terminasse. Quando o pai parou o carro no sinal, Katie saiu.
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Muscle memory
FanficI have no clout with God. God doesn't even know who I am, which sucks because I could use some help. (Addison) * * Olhar pra trás pode fazer com Derek perceba que durante todo esse tempo sua vida não estava tão estabilizada quanto ele pensou. * * {O...