Thaís
Agosto de 2039
Segunda-feira
Entre 10h30 e 11h30
Finalizo a ligação com o Conde de Paulo Afonso e escuto um suspiro reprovador vindo da sala, olho na direção do som e Glória me encara com pena, enquanto a minha mãe continua me observando como se eu fosse uma assombração. Um turbilhão de sensações passa na minha cabeça neste exato momento; não sei se amor, ódio, desprezo, rancor, mágoa, alegria. Eu estou começando a perder o raciocínio lógico e sinto que esse é o meu alarme para mais um ansiolítico. Eu consigo o remédio de forma ilegal; não sei ao certo se estou tomando o medicamento correto, nem sequer sei se essa é a dosagem certa e o intervalo adequado; por isso, me limito a um comprimido.
- Qual é o problema, Glória? Quer falar alguma coisa? – Questiono, ao perceber que o suspiro veio dela. Encaro a mulher que analisa o medicamento tomado por mim; na sequência, percebo a minha mãe conferindo o ferimento na minha mão. Involuntariamente, coloco as duas mãos nos bolsos da calça, segurando um gemido de dor, na intenção de esconder os machucados dos olhares curiosos.
- O que aconteceu com você, criança? – Pergunta, me olhando e tentando achar algum sentimento. – Ainda há tempo de interromper isso tudo e voltar a ser aquela garotinha doce e adorável.
- Não perca o seu tempo tentando me passar alguma lição filosófica; é tarde, eu não tenho mais solução. – Declaro, sem muita paciência. – Já está na hora de aprendermos a morrer com honra. – Alfineto ironicamente, fazendo alusão às palavras ditas pelo meu pai, quando espancava a minha mãe. Imediatamente, Glória arregala os olhos. – O que vocês pensaram? Que tudo seria um mar de rosas? – Interrogo, me aproximando de mainha e me abaixando para deixar os meus olhos da altura dos dela. Neste minuto, não me importo mais em esconder nada e retiro as mãos dos bolsos, apoiando-as nas laterais da poltrona em que ela está sentada. – Eu apanhei por todas nós.
- Você teve a escolha de ir embora com Lívia, Thaís. Ninguém tem culpa da sua decisão ter sido ficar. – Glória insiste e eu não desvio o olhar; continuo observando Clarice.
- Lívia me disse que caminharia em direção ao sul, até chegar em Alagoas; depois disso, pegaria um ônibus, com destino a São Paulo. Obviamente, ela mentiu. A minha irmã achou que eu não aguentaria a pressão e entregaria a localização de vocês duas ao nosso pai. Como todos ao meu redor, Lívia acreditou que eu era uma fraca. – Explico, alternando agora o olhar entre elas. – Bem como, ela não imaginou que eu sabia exatamente onde a nossa mãe estava e também tinha conhecimento de que a rota de fuga seria até a cidade de Glória, ainda na Bahia. - Prossigo, voltando a encarar apenas mainha. – Antes de você fugir, o meu pai te deu a pior surra de toda a sua vida; e te deixou trancada no quarto, com uma refeição diária, por uma semana. O velho iria te matar aos poucos, mas então, a senhora conseguiu fugir. – Faço uma pausa, após ela começar a chorar; espero que se controle e me preparo para falar o que poucas pessoas souberam até hoje.
- Exatamente, o seu pai iria matá-la, por isso eu a ajudei a fugir. – Glória intervém. – Só não contávamos que ele sumiria com vocês duas e voltaria tão forte quanto a sua mãe, sendo praticamente impenetrável.
- Se ele fosse impenetrável, quem estivesse dentro não conseguiria sair também. Mas a minha irmã o fez, mesmo com os meus avisos de que ela não chegaria tão longe. – Informo a minha antiga babá e ela franze o cenho, sem entender aonde eu quero chegar.
- No entanto, ela chegou. – Clarice se pronuncia. – Como?
- Do ponto onde estávamos, em Paulo Afonso, e usando uma porcaria de uma bicicleta no meio da noite, Lívia deve ter levado cerca de duas horas para chegar ao destino, fora o tempo de espera até a sua chegada. – Faço uma pequena introdução, explicando antecipadamente o meu raciocínio a mainha. – Foram necessários vinte minutos para se notar a ausência da herdeira de Marcel; mais uma hora até que ele já estivesse na minha frente, em uma sala de tortura, pronto para me fazer falar. Eu achei que ao ficar, daria algumas horas de vantagem a vocês duas e depois seria resgatada. Contudo, fui burra ao pensar dessa forma.
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UMA NOVA CHANCE (Original)
ActionCaroline saiu de Pernambuco, em busca de uma vida melhor na capital paulista, no entanto, depois de perder o amor de sua vida, em um acerto de contas, a mulher decidiu retornar ao Nordeste, à procura de vingança. Após se instalar na cidade de Caruar...