XXVIII

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Oito anos atrás...

— Onde pensa que vai com essa roupa?

Davi entrou no quarto e me olhou.

— Eu vou levar o Nicolas para o meu pai ver. – Passei por ele.

Mas Davi segurou firme meu braço e falou bem baixo.

— Essa roupa está escandalosa de mais. – Ele me apertou mais ainda. – Seu pai nunca vem aqui. Você também não vai lá, se ele gostasse tanto de você tinha arcado com toda essa despesa.

Eu estava de calça jeans e camiseta de alça, a calça ficava um pouco apertada, mas as garotas que ele conhecia e dizia ser só amizade andavam pior. Além do mais Nicolas não era nenhuma despesa, pelo menos para ele.

Nossa relação era estranha. Depois que o flagrei com a garota dentro da casa da mãe dele, nós só fazíamos o papel de pai e mãe, pelo menos no papel mesmo. Por vezes ele dormia no meio certinho da cama, e eu tinha que dormir sentada. Ou quando Nicolas chorava ele me fazia sair de casa de madrugada e ficar andando pelo jardim até Rita abrir a porta, ou Nicolas dormir. Davi tinha aprendido a me bater, começou com empurrões, socos nas costas, e até um tapa no rosto eu levei. Só não ia embora porque ele dizia que tomaria Nicolas de mim, e sendo sincera eu não duvidava.

— Escuta Davi. – Me soltei dele. — Eu vou. Você querendo ou não.

Davi me jogou em cima da cama e começou a me encher de tapas ,chutes. Rita não estava em casa, eu não conseguia me livrar dele porque estava muito fraca. Quando ele saiu deitei no chão e peguei na mãozinha do Nicolas pela grade do berço. Chorei até dormir.

Já era de noite quando Rita voltou do plantão, e estava com meu pai. Tentei esconder ao máximo que pude as marcas, mas meu olho direito estava ficando roxo. Rita era médica e sabia quando era acidente, ou agressão, por isso quando ela perguntou eu comecei a chorar.

— Marjorie, o pessoal que trabalha para mim, já tinha me alertado que ele estava te batendo. – Rita era calma. — Hoje enquanto ele te batia meu mordomo me ligou e contou tudo.

— Porque você não voltou para casa filha? – O olhar de decepção do meu pai foi a pior coisa. — Eu nunca te bati.

— Ele dizia que a culpa é minha, porque eu o provoco, ou visto roupas indecentes. – Minha voz saiu fraca.

— A culpa sempre é da vítima. – Rita concluiu. — Ele é tal qual o pai. Dois animais.

Rita me observou por mais um tempo, até que recomeçou a pior fala.

— Estive falando com seu pai, e acho melhor vocês dois seguir a vida. Você é muito nova Marjorie. E tem todo um futuro pela frente. – Ela pegou na minha mão. — Quando Davi voltar para casa eu vou mandá-lo para morar com o pai. – Ela disse. — Mas você, seu pai e o Nicolas...

— A gente dá um jeito. – Falei entre os soluços.

— Não vai ser fácil pequena. – Ela respirou fundo. — Quero que me escute. Deixe o Nicolas comigo, eu o crio, e quando você estiver estruturada pode levá-lo.

Soltei minhas duas mãos dela e recuei, de repente meu pai e ela pareciam dois estranhos loucos querendo matar meu filho.

— Não!? – Falei resoluta. — Ele é meu filho. Meu!

Nicolas com os seus dois meses de vida dormia sem saber de nada.

— Não estou pedindo que o esqueça. Você pode passar o dia com ele aqui, e vai precisar, mas também precisa estudar, e trabalhar para dar uma vida melhor para ele.

— Pensa um pouco filha.

Os dois saíram da casa e eu fiquei. Levantei e fui até meu bebê, tão pequeno. Ele era meu, meu primeiro e verdadeiro amor..

Duas semanas depois Nicolas ficou doente, Davi já não estava mais por perto, e eu fiquei na casa com Rita. Todo o tempo ela cuidava do Nicolas. Eu era muito nova, estava perdida em tudo. Nicolas adorava a avó.

— Não estou querendo que vá Pequena, mas quero que seja feliz. – Rita estava com Nicolas no colo.

Foi a pior noite da minha vida, dormi abraçada com meu filho, o amamentei pela última vez e de manhã estava com os olhos vermelhos arrumando minhas roupas para partir. Voltei para a casa da piscina, enchi uma sacola e uma bolsa com minhas coisas e dei de cara com Davi na porta.

— Onde vai? – Ele quis saber.

— Não é da sua conta. – Respondi. — Me deixa passar.

Ele deixou, mas me puxou pelo cabelo e me bateu, e dessa vez eu apanhei pra valer e não revidei ou gritei, nada era mais forte que a dor de deixar meu filho. Entrei no carro do meu pai tremendo de tanto que apanhei, Davi não tinha batido no meu rosto porque foi a única parte que defendi.

Eu estava com muita por dentro e por fora.

Nos próximos meses e até Nicolas fazer um ano eu estive presente do jeito que dava. Mas foi depois da festinha dele que Rita sumiu. Uma tarde toquei a campainha e ninguém me atendeu. Voltei no outro dia e no outro e no seguinte. Ela se foi, e levou meu menino.

Na última tentativa voltei todo o caminho andando, me daria tempo de chorar sem que ninguém me perguntasse. Quando cheguei em casa com os olhos e o nariz vermelho, e a cabeça estourando, encontrei meu pai tomando café com meu padrinho. Orlando já sabia de tudo, assim como meu pai. Ele me abraçou bem forte e eu afundei no peito dele e chorei alto feito um bebê.

— Você ainda é jovem – Meu padrinho falou. — E logo vai estar com o Nicolas de novo. As vezes ela só queria te dar um empurrão...

— Mas.. Ele é meu. – Chorei mais ainda.

— Eu sei, e ninguém pode tirar isso de você. – Meu padrinho me tratou feito uma criança.

— Filha. Seu padrinho tem uma notícia para nos dar. – Meu pai resolveu achar a voz.

— Eu vendi a empresa. E antes que me pergunte, é porque agora tenho negócios em Londres. – Ele tocou meu queixo. — Eu quero mesmo é pedir que venham comigo. Preciso de um bom motorista lá e... Sentiria de mais a falta de vocês.

Orlando foi embora, nos deu tempo de pensar e depois de muita discussão meu pai disse sim. Além do mais eu poderia aprender o máximo possível de inglês com o padrinho e cursar a faculdade que eu queria porque ele prometeu que me faria grande.

Queria ser advogada...

Meritíssimo Juiz  @PremioshakeOnde histórias criam vida. Descubra agora