VIII

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Dias atuais...

James pousou a lata bem devagar no balcão, cada movimento dele era calculado, percebi algo à mais nos olhos dele, mas não quis arriscar. Me servi de um copo de água enquanto a tensão aumentava, ele se mexeu na cadeira, era hora de falar. Me sentei de frente para ele e guardei todas as idiotices que fiz.

- Pode começar me falando porquê tive que guardar com tanto sigilo as provas?

- Primeiro, você esqueceu tudo em cima da sua mesa, tive que fazer um teatro bem ensaiado. Segundo, são muitas coisas a serem ditas, por hora só posso dizer que o chefe da facção era desconhecido, ninguém tinha idéia de como ele era, mas os papéis que você nem se deu ao trabalho de ler constam o nome dele, não só isso como também o paradeiro deles.

O ar mudou, ou não queria entrar no meus pulmões. Agora tudo fazia sentido.

- Sei exatamente quem é, só não sei em quem confiar.

- Onde eu entro nisso tudo. - Me dobrei em cima da mesa.

- Você foi, vamos dizer vigiada todo esse tempo, certamente pensaram que você era tola, mas se enganaram, e agora está com coisas valiosas em mãos. Tem noção de quanto tempo investiguei essa facção? Muito sangue foi derramado.

- O quê realmente eles fazem?

- Tudo. Exportam as drogas mais caras pelo mundo todo, sequestram garotas ingênuas, às drogam e fazem delas bicho de estimação, e quem ousar mexer com eles não tem a mínima chance. Muitos advogados morreram por essa causa. - Ele parecia cansado.

- Ainda não me vejo nisso. - Digo.

- Você é jovem e bonita, tem servido de porta de acesso para eles, através da esposa, e por acaso moramos na mesma vizinhança. A parte jovem é mais por causa do lado profissional deles. - James piscou para mim.

- Merda, devo estar enrascada até o pescoço.

- Não tanto quanto eu. Pensa pro lado positivo, nesse exato momento o próximo alvo sou eu, depois vem você .

- O que vamos fazer? - Minha voz saiu estrangulada.

- Entrar nessa de cabeça, se deixarmos pela metade não vai ter válido à pena, e você nunca mais vai exercer sua profissão, e corre o risco de ser presa. - Ele fazia círculos na minha mesa de madeira.

- Posso pensar pelo menos?

- Claro. Não temos muito tempo. - Ele se levantou. - Mais tarde eu te encontro para darmos uma caminhada por aí?

- Claro. - Levei ele até a porta da cozinha. - Onde está seu cachorro? Não que eu esteja com saudade.

- Em casa, deixei ele descansando um pouco. Mas se quiser eu trago ele da próxima vez,- Ele me deu outra piscada, e dei graças a Deus pela luz fraca, caso contrario ele veria meu rubor crescente no rosto, e Deus me livre de mais brincadeiras.

- Então tá. - Não conseguia fechar a porta, não com ele me olhando tão atentamente. - Eu preciso...

- Tudo bem. - Ele deu um passo para trás incerto. - Então até mais.

Quando eu ia tomar coragem de fechar a porta ele se aproximou e me deu um beijo leve na bochecha, foi um pouco estranho sentir todo o meu corpo formigar, e o coração bater nas orelhas.

Não digo que pude dormir, mas fiz de tudo, fechei os olhos e deixei a televisão baixinha, também tentei ligar para o Ben, ou ele ainda estava dormindo, ou não queria falar comigo, foi uma luta constante até que nove horas da manhã meu celular tocou.

- Benjamim eu tentei falar com você a manhã toda, - Escutei a respiração pesada dele.

- Olha, eu estou com uma puta ressaca, não tinha visto meu celular, quando fui correr até a garagem também não vi meu carro. Você sabe que ainda estou pagando ele né?

- Eu não iria deixar você me trazer em casa, não estava nem andando direito. - Ouvi ele fungando. - Não foi pra isso que me ligou.

- Não. Eu preciso que venha aqui agora mesmo, aconteceu uma coisa na empresa, e foi dentro da sua sala. O pessoal está louco. - Ben abaixou o tom da voz.

Não esperei mais nada. Peguei minhas coisas e rezei para não bater o carro dele. Quando cheguei lá tinha uma fita limitando o acesso das pessoas, polícia por toda parte. Só me deixaram entrar porque Benjamin me encontrou.
Subimos pela escada e fomos até o terceiro andar. Minha sala estava apinhada de gente, o vidro fora pintado por dentro com uma tinta preta, tinha sangue por toda parte. Meus joelhos batiam um no outro quando passei por toda aquela gente e entrei na sala.
Minhas coisas estavam reviradas, mas não foi o pior. Cobri a boca com a mão quando reparei na pessoa sentada na minha cadeira. A mulher que eu levei até o tribunal estava de olhos arregalados, um corte fundo na garganta que ainda liberava sangue, me encarava, como se fosse levantar dali e me pegar. Logo atrás dela estava escrito na parede, "devolve o que não é seu". E "você será a próxima".
Como impulso virei o rosto e vomitei até cair de joelhos.

- Marjorie? - Ben se aproximou. - Vai ficar tudo bem. - Vamos sair daqui.

- Ela precisa ser ouvida pelo delegado senhor. - Um policial barrou a saída.

- Não desse jeito. Ela tem que descansar, não está em condições de falar não percebe? - Nunca vi Benjamin tão nervoso.

- Eu... Meu Deus, esse cheiro. - Reconheci minha própria voz, fraca e trêmula. - Oh Benjamin, essa mulher não tinha nada com isso. Olha só como ela está?

- Eles vão cuidar dela tá bom? Agora vamos sair daqui. - Fui arrastada pra fora da sala.

Não sei bem ao certo como entrei no carro, mas tenho uma vaga lembrança dele tentando me explicar como encontraram ela, ou coisas do tipo. Depois de uns minutos ele desistiu e ligou o rádio.

- Você precisa falar comigo pequena. - Ben havia me sentado na areia da praia vazia. - Estamos ficando sem tempo.

- É que eu não consigo imaginar como levar a vida depois de tudo isso. - Encarei ele. - Os olhos dela... Eram, tão assustados e....

- Marjorie, você sabia dos riscos quando entrou para essa vida. - Ben não era do tipo de amigo que rodeava a questão, com ele era papo reto, como dizia meu pai.

- Eu sei, mas é difícil saber que serei a próxima. Não gosto nem de pensar como estarei quando me acharem. - A brisa do mar estava congelando meus dedos, Ben pegou minhas mãos e as cobriu com as dele. Ainda tremia muito e não era frio.

- Viva, você não vai morrer, não agora tão perto de encontrar o que falta pra completar a sua vida, e depois ser feliz sem medo, e sabe de uma coisa, quero estar com você quando isso acontecer.

- Ben, você é um anjo. - Me encostei nele. - Nunca mais quero ver nada daquele tipo.

- Agora. Mudando de assunto. Pode me dizer o quê aconteceu ontem? Digo, na hora que saímos da boate. - Sabia que ele ia tocar no assunto.

- Você bebeu de mais, não quis colocar minha vida em risco te levei pra casa, te deitei na cama e pronto. Lembrei que não era hora pra chamar táxi, então peguei seu carro. - Respirei fundo.

- Só isso? - Estava começando a achar que ele se lembrava.

- Hum, - Não. - Sim. Claro que você ficou me olhando como se eu fosse um bicho estranho, tipo sem piscar. Porque? - Senti os dedos dele ficarem rígidos.

- Tive um sonho. - Ben olhou para o horizonte, - Deixa pra lá. Eu estava chapado...

Meritíssimo Juiz  @PremioshakeOnde histórias criam vida. Descubra agora