XIII

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Ainda bem que o carro dele era potente, e infelizmente era caro. Depois de servir como alvo para atiradores profissionais, tive que seguir queimando pneu até entrar na estrada de barro. A chuva começava a cair lá fora, somada ao vento forte, era uma loucura. Mesmo com a tração nas rodas traseiras o carro deslizava, e mesmo assim segui adiante.

-Para. O carro. -James se mexeu no banco de trás. -Daqui, vamos a pé. Ou você vai.

-Não senhor. Onde eu for você vai. -Virei para encarar ele meio fora do ar.

-Se eu não conseguir chegar até lá, vai ter que me deixar... -James apertava a barriga.

-E o quê? Não vou ter propósito para continuar se deixar você. Prefiro ficar e morrer junto.

-Maldita teimosa. -Ele reprimiu um grito. -Então vamos descer, mas tire o sapato.

Tirei o sapato e desci no barro, meus pés afundaram tanto que caí, me levantei e corri até ele. James se jogou para fora, e foi aí que eu vi, quatro tiros. Um no ombro, outros dois de raspão no braço e na perna, o mais feio foi na barriga, um buraco grande. Ele se apoiou em mim e me guiou pelo escuro.
Fomos adiante e viramos em uma cerca, ele se arrastou por de baixo dela e me puxou junto. Do outro lado corria um rio, que seria pequeno se não fosse a correnteza.

-Você. Vai ter, que entrar. -Ele caiu no chão e se jogou no rio. -Vamos, é logo ali.

Recuei até ouvir os homens gritando coisas horríveis. Entrei sentindo as agulhas finas penetrando minhas pernas e o fôlego se esvaindo de mim. James quase foi levado pelas águas.
Saímos do outro lado, na grama.

-Não. Não, posso mais, por favor vá sem mim.-Ele deitou.

-Não! Por favor James, todos me deixam um dia, não me abandone também. -Me joguei em cima dele .

-Não consigo, a dor é enorme. - Ele trincou os dentes.

- Quantos metros? -Sacudi ele. -Vamos, não morra na minha frente.

-Duzentos na mata fechada, vai encontrar uma pedra muito grande, dê a volta e verá o que realmente é.

Alguém estava chegando perto. James desmaiou e eu não conseguia me mover. O homem estava armado e gritava meu nome. Me vi puxando James para a mata fechada, graças a chuva ter aumentado ele ficou confuso. Chegou a passar do nosso lado, olhou por cima da minha cabeça e deu meia volta.

-Acho que não entraram no rio, volta lá e olha, os passos só foram até a cerca, eles devem estar do outro lado, rindo da nossa cara. Tive que me molhar nessa chuva....

Se afastaram de nós. Fiquei uns bons tempos tremendo de frio, até me lembrar que tinha um juiz morrendo na minha frente. Arrastei ele o quanto pude, sentei e arrastei de novo. Na penumbra vi a silhueta da pedra. Continuei arrastando ele, me apoiei nela e continuei até dar a volta completa. Era uma cabana, o musgo verde dava a impressão  de ser mesmo uma pedra enorme. Empurrei a porta, ou o que parecia ser uma. Trancada. James cada vez mais fraco com sangue jorrando dos tiros . Revistei os bolsos dele, nem sinal.

-O....Teto.- Ele gemeu.

Sim. O teto, como fui burra. No teto tinha um pequeno buraco, e dentro dele a chave. Abri a porta e me joguei para dentro, James caiu em cima das minhas pernas.
No chão mesmo, rasguei a camisa dele revelando mais do que eu pensava, e sem pensar duas vezes resumi a camisa a tiras, cada uma para sua finalidade.
Não tive muito tempo com a minha mãe, mas me lembro das vezes que eu me machucava e ela mastigava uma folha e colocava sobre meu machucado.

- vendo essa? -Ela me mostrava a folha. -Se for um machucado simples mastigue e coloque sobre ele. Mas se for grande e feio use essa. - Outra folha, grande e cheia de pontas.- Fará o sangue coagular. Depois triture essas aqui, são folhas fortes, esprema elas num copo de água e dará seus pacientes. Eles vão para casa no outro dia... -Ela beliscou minhas bochechas.

Ele estava perdendo sangue, corri para fora da cabana e fui até o mais longe que consegui, cheirei cada folha, achei as grandes e reuni as outras. Eu tinha que saber, isso estava no meu sangue.
De volta à cabana, tranquei bem a porta e fui até ele, tinha tudo em mente, menos a bala, todas as três estavam fora, mas a da barriga estava lá, eu podia ver o brilho dela, me assustando.

-Merda Marjoire você é uma burra, e agora? - sentei no chão. -Meu Deus, eu sou uma advogada, não uma médica.

Tire a bala com os dois dedos. Lembrei dos filmes que assisti. Limpei as mãos e cheguei perto dele.

-Pequena. Faz. Isso. Logo. Para sua sorte... Não. ..Não atingiu órgão nenhum.-Ele puxou minha mão.

-Como sabe. -Limpei o rosto. -Como. Como sabe?

-Eu só sei.. Aprendi umas coisas com a minha irmã.

-Ótimo. Mas ainda não sei se tenho forças.

-Se não tiver, vai ser abandonada por mim, e terá que dormir com um cadáver, até a chuva passar. -Ele estreitou os olhos. -Por favor.

Queria ser minha mãe, sair por aí e nunca mais voltar. James revirava os olhos e me apertava mais ainda, precisei regular minha respiração e pensar que dias melhores viriam. Abri a mão e tomei impulso. Ele arregalou os olhos quando meus dedos entraram na carne dele, urrou de dor enquanto tentava me empurrar. Fechei os olhos e busquei a bala, com o que sobrou das minhas unhas puxei a coisa de lá. A bala era pequena, estava suja, joguei ela de lado quando James começou a se debater. Ele estava em choque por causa da dor. E o que eu sabia? Nada. O buraco que ficou só sangrava mais, respirei fundo e continuei, coloquei as folhas nos cortes, e joguei o sumo das outras pela garganta dele. Foram minutos aterrorizantes, entre trocar as folhas ensopadas de sangue e colocar outras.  Até que ele parou de tremer e os sangue de pingar. Também não foi bonito ver ele pálido e mal respirando. Pela primeira vez em horas me senti cansada. Cai de joelhos e chorei, como uma criança quando cai, chamei pelo meu pai, por Ben e até pela minha mãe. Até que minhas forças me abandonar e eu cair no sono...

Meritíssimo Juiz  @PremioshakeOnde histórias criam vida. Descubra agora