VII

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Oito anos atrás...

— Como ? – O sorriso no rosto dele desapareceu. — Como você deixou isso acontecer?

— Ah me desculpe, não te contei que a cegonha veio me visitar, ela errou na casa, mas como não podia voltar para trás deixou o pacotinho comigo.

— Não é hora de brincadeira Marjorie. – Sentia Davi cada vez mais distante de mim.

— Fiz o teste hoje e deu positivo, o que vamos fazer Davi?– O frio deu lugar a mais pura vergonha.

— Não posso... – Ele se afastou. — Eu... pensei que você tomasse remédio.

— Você me disse que a primeira vez não engravida lembra? Eu tenho quinze anos Davi, não tenho idade pra tomar essas coisas. – Ele negava copiosamente, enquanto eu me negava a derramar mais uma lágrima.

— Eu.. Eu não posso. Tenho um futuro pela frente, minha mãe vai conseguir me colocar na faculdade, eu.... – Ele estava em pânico. – Acho melhor a gente romper o namoro.

— Romper o quê?  Tem noção do quê  está acontecendo? Você fez um filho em mim! – A água havia me ensopado até a alma. — Isso não é mais um simples namoro!

— Eu não posso me enrolar com isso, – Ele apontou para a minha barriga. —Minha mãe iria ficar louca.

Davi não era como eu, pobre. Ele tinha uma casa bacana, um quarto que era maior que meu cômodo e o quintal juntos, vídeo games de todos os tipos, uma piscina só pra ele, e a promessa de ser um médico assim como a mãe.
Conheci ele quando entramos para o primário, ele era do tipo revoltado, filho de uma mãe solteira, que engravidou de um médico casado e velho,o pai dava de tudo, menos carinho e atenção.

— Sua mãe? Você está morrendo de medo, com o rabo entre as pernas. Cresci Davi! Temos a mesma idade. Como será meu futuro? Você tem dinheiro, o seu pai velho e casado sempre vai te sustentar, e quanto a mim? Não tenho mãe, nem casa, nem dinheiro. Tudo o que tenho são minhas coisas e meu pai, e agora essa criança.

— Se quer dinheiro, tudo bem, terá uma renda por mês, o dinheiro pode sustentar você, seu pai e a criança, só não me peça para ser um pai. Eu não quero.

— O dinheiro pode socar na sua bunda rica e branca, e não precisa se preocupar, ninguém saberá que terá um filho. Agora ouça bem minhas palavras. – Trinquei os dentes e encarei ele. — Haverá um dia que vai desejar ter o poder de voltar no tempo e mudar seu passado, vai ver seu filho, mas ele não vai te reconhecer. Não sabe o que é ser criado sem um  pai. Ou sem uma mãe.

— Só isso? – Ele riu.

— Não. Esqueci de te desejar que se forme como um médico. – Os olhos dele brilhavam. — Que tenha tudo, ou mais ainda, menos felicidade.

As lágrimas não caiam mais, as minhas não, as dele começaram a rolar mesmo com o rosto molhado os olhos enchiam de lágrimas e elas transbordavam para tornar a encher de novo.

Lembrei de um filme que assisti com meu pai, desejei ter o poder de fazê - lo pegar fogo ali mesmo.

E de novo fui andando até em casa, só que dessa vez foi na chuva e de noite, a minha casa era nos fundos de uma micro empresa numa rua deserta cheia de outras  empresas, os únicos à  passar ali a noite era eu e meu pai, às  vezes eu tinha medo de ser rendida por alguém, não hoje.
Avistei minha casa e corri até alcançar o portão pequeno, passei por ele à  tempo de ouvir meu pai encostar o carro. Ele deve ter visto o Davi, e se usou o olhar intimidador dele, conseguiu descobrir o quê  estava acontecendo.

— Marjorie! – Ele vinha andando firme. — Marjorie, vem aqui agora! Marjorie?

Tentei me esconder, mas onde? Morava em um cômodo. Sai do meu canto e fiquei de frente para ele.

— Sim pai.

— Sabe que horas são? -
– Ele olhou no relógio. — Meia noite agora, fui atrás de você na porta daquela zona, cheia de adolescentes fedendo a cerveja barata. No caminho encontrei o moleque que você namora, e adivinha?

— Ele te contou. – Apertei o vestido molhado.

— Sim Marjorie, ele me contou, o moleque estava feito uma barata tonta. Me contou tudo, só, precisei do meu olhar e pronto. – Pela primeira vez na vida, vi meu pai ficar realmente bravo. — E agora? – Ele gritou comigo. — Tem noção do que é criar um filho sem a ajuda de um homem?

— Fui criada sem a minha mãe e nem por isso morri! Sei que estou sozinha nessa.

—  O que vai fazer pra vestir essa criança? Por que eu te vesti até hoje! E não me vem com essa desculpa de ser criada sem a mãe. Ela te deixou quando você era pequena. – Ele tremia.

— Eu paro de estudar, consigo emprego em qualquer supermercado, eu... Eu... – Não consegui mais dizer nada, ele tinha razão, eu era uma criança gerando outra.

— Ah não.  Não mesmo. Se aquele merdinha quer ser alguma coisa, você também vai ser!

Meu pai pegou a chave do carro e me pegou pelo braço.

— Se ele quer ter um futuro, vai ter. Mas a mãe dele vai ficar sabendo da existência dessa criança.

O caminho todo meu pai usou para me jogar na cara a pessoa burra que fui quando acreditei na palavra de um menino, e como é criar uma criança sem dinheiro. Não sabia ao certo o que iria acontecer, vendo meu pai dirigindo feito louco. E não parou por aí, ele desceu do carro gritando, a rua toda era um silêncio sepulcral, ou foi até a gente parar na casa luxuosa.

— Davi! – Ele batia no portão e gritava feito louco.

Houve uma gritaria no lado de dentro da casa, alguém estava correndo. Mais gritos, até que o portão se abriu. A mãe dele estava de camisola, Davi atrás dela parecendo um cão amuado, o rosto estava vermelho, como se tivesse apanhado. Rita no entanto estava calma até de mais.

— Boa noite. – Ela era serena, calma.

— Só se for pra você. – Meu pai retrucou. — Vim dizer o que o sei filho fez...

— Eu já fiquei sabendo o quê os nossos filhos fizeram senhor Eduardo, e fique sabendo que ele já recebeu o quê  merecia. – Ela estendeu o braço. — Por favor, vamos entrar.

Por uns minutos tentei identificar onde era a porta de entrada da enorme casa cor de pêssego. Ela nos conduziu pelo jardim e se deteve na entrada. Um homem alto abriu a porta e nos deu passagem.
Davi me ignorava a todo tempo, até mesmo quando eles nos sentaram lado a lado.

— Deixe - me ser bem franca com vocês. – Ela nos encarou. — Vocês dois são inocentes ainda, mas já carregam essa responsabilidade. A minha decisão é, que você venha morar aqui. Pelo menos até vocês terem idade pra fazer alguma coisa em relação à  isso....

Meritíssimo Juiz  @PremioshakeOnde histórias criam vida. Descubra agora