XIX

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A coisa mais chata foi ter que tomar banho de porta aberta para o caso de uma possível invasão, e depois ter que me trocar na frente da Helen. Ela por sua vez não perdia o sorriso forçado do rosto. Quando soltei o cabelo para escovar ele apontou para a cadeira na frente de um espelho, pegou a escova e começou o trabalho com meu cabelo.

- Eu gostava quando minha avó fazia isso em mim. -Ela me olhava pelo espelho.-Quando ela morreu fiquei sem saber o que fazer com uma escova e meu pobre cabelo.

-Sinto muito. - Sentia mesmo, ela era do tipo durona, mas não passava de uma mulher sofrida.

- Queria te pedir desculpa por ter feito aquilo com você, é que meu irmão é tão cabeça oca, ele era do tipo inocente, as mulheres faziam o que queriam com ele sabe. A última então, nem me lembro o nome dela, fez ele sofrer muito, a ponto de ficar trancado da cabana por meses e fio. -Ela tinha o olhar dele, firme.

-Ele não me disse nada, mas tirei minhas conclusões. -Peguei um grampo para ela.

-Ele gosta de você garota. James é do tipo que não enrola, ele exprime os sentimentos em ações, então dê valor para isso, vai saber a hora de o fazer. -Ela deu um tapinha na minha cabeça. -Tudo pronto.

Me olhei no espelho, ela tinha me dado umas roupas bem legais, claro que eu nunca teria coragem de usar uma calça de couro com rasgos até a coxa e uma bata transparente, muito menos os sapatos cheios de pequenas lanças pontudas. Tinha a impressão de se eu ficasse na porta de qualquer boate teria companhia para a noite toda.

-Desculpa, eu estou me achando uma pouco estranha assim...-Ajustei a calça.

-Besteira. E além do mais você é muito pequena, essa calça em mim fica no meio da canela. -Helen estava rindo. - Se voltar para levar seu pai não pode ir como estava, tem que impressionar. Vai lá fora para eles te avaliar.

Sendo sincera, se eu fosse para alguma festa à fantasia, já estava vestida de prostituta macabra.
Sai do quarto e dei de cara com os dois encostados na parede, dizendo alguma coisa sobre carro. Benjamin escancarou a boca incrédulo, mas foi James que me surpreendeu, ele me mirava por completo, sem expressar nenhuma surpresa.

-Vamos rapazes. -Helen empurrou Benjamin. -Temos muito à fazer.

Helen e Benjamin saíram na frente, tentei passar pelo corredor mas James me barrou.

- Olha, se estiver me achando vulgar, eu passo em casa correndo e troco de roupa. - Estava ficando constrangida.

-Para mim você está linda. Não precisa trocar nada, só que por favor, quanto menos aparecer na luz melhor. Esta chamando muita atenção, principalmente a minha.

*************
Uma hora e meia de viagem me deu bastante tempo para refletir na minha vida, pesar as palavras e dizer com todo o cuidado possível para o pai. Ele não era um homem de falar muito, dizia só o necessário e pronto, com ele era na ação.

O carro parou na frente da minha casa, as primeiras gotas de chuva começavam a cair como um mal presságio. Todos me olharam, Helen apertou o volante, esperando minha iniciativa.
Senti meu corpo todo tremendo e as lágrimas ameaçando cair a qualquer momento.

-A gente tá ficando sem tempo garota. -Helen era durona. -Sai logo desse carro e só volta aqui com o seu pai.

Desci do carro e me coloquei a caminho da porta da cozinha, por duas vezes quase caí com os saltos finíssimos da Helen, não que eu nunca tenha andado de salto, mas os dela estavam merecendo uma medalha de ouro para quem conseguisse andar dez passos com eles.
Por incrível que pareça sou do tipo que ainda guarda uma chave extra perto da porta. A minha ficava em baixo do vaso de flores artificiais. Com todo cuidado me abaixei e peguei uma única chave.

A minha casa não tinha sofrido mudança, aliás em nada, até a lata de cerveja que James tomou ainda estava lá, no mesmo lugar. Esperei minha visão se acostumar à pouca luz e entrei. Achei meu pai dormindo no meu quarto, com um punhado de fotos na mão, a cortina estava fechada, ele era o único ponto de luz no quarto, isso porque dormiu assistindo filme no notbook.

-Pai?-Sentei na cama e toquei no rosto dele. -Pai me perdoa, eu....eu.

-Marjorie. -Ele abriu os olhos e quando me viu sentou bem rápido. -Filha, meu Deus, onde você estava. Porque apareceu à essa hora?

-Eu não fiz aquilo pai, posso ser louca mas nunca pensei em ferir ninguém. Eu só descobri coisas de mais.

-Se não está devendo porque não entrega tudo pra polícia?

- Porque não é seguro, aqui não é mais seguro pai. -Ele estava começando a duvidar de mim.

-Disseram que você fez mal para o juiz, cadê ele?

-Teremos tempo de falar sobre isso. Conseguimos uma forma de sair do país, pelo menos até tudo estar resolvido. Não quero te deixar pra trás, vão querer acabar com tudo o que mais amo. -Peguei na mão dele.

-Não posso. Você também não deveria, se não deve não tema. Mas se você realmente fez por algum motivo, vai ter que assumir. - Flagrei meu pai puxando o celular enquanto falava comigo.

-Não acredita em mim? Se eu sair correndo agora vou escapar deles, mas você vai ficar, e quando tudo acontecer vai saber que estou falando a verdade . -Senti meu queixo tremendo.

-Verdade? Acho que você está mentindo, se não teria trazido o juiz. -Ele começava a falar alto.

-E trouxe. -James saiu das sombras e se aproximou.-Não só até aqui, mas me trouxe à vida também. Caso não queira acreditar na sua filha, aqui está a prova. -Ele chegou mais pro perto e levantou a camisa.

Claro que eu deveria estar olhando para os ferimentos, se ele não tivesse todo aquele conjunto de músculos torneados e, deixa pra lá ....

-Santo Deus. -Meu pai deu um pulo e ficou de pé. -Como fizeram isso?

- Se vier conosco vai saber mais ainda, só que por favor, estamos saindo do país, não diga para ninguém. -James passava tanta segurança que mesmo eu que já estava nessa, acabei concordando com ele.

Fui pagando minhas coisas e jogando na mala maior que achei, peguei todas as provas impressas, fechei o notebook e enfiei na bolsa, não estava vendo meu pai, mas o ouvia xingando no outro quarto, enquanto juntava as coisas.

-Tudo pronto. - Ele apareceu no quarto.

James pegou minha mala e correu na frente, Helen já estava fazendo a ligação que salvaria nossas vidas, Benjamin permanecia com os movimentos precisos. Foi uma correria total, até que as quatro portas do carro se fecharam e Helen arrancou com o carro.

-Olha só, não querendo meter pressão, mas já metendo, -Ela me encarou.-Estamos sendo seguidos. E por dois carros.

- Então pisa minha filha, não saí da cama para morrer nesse frio. -Meu pai deva tapas no banco.

Meritíssimo Juiz  @PremioshakeOnde histórias criam vida. Descubra agora