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Não sabia ao certo como não chorar na frente dele. James amassou o papel enquanto vazia ligações, era uma coisa louca. Ele se afastava as vezes, mas ficava de lá olhando para mim. Desejei tanto que o Benjamin estivesse comigo que meu celular tocou. Eu sabia que era ele, porque coloquei nossa música pra tocar toda vez que ele ligasse.

- Marjorie. Ainda bem. Não consegui falar com você mais cedo.
-Desculpa, eu realmente não sei o quê aconteceu.
-Estou voltando para casa. Amanhã cedo chego aí,  será que pode me buscar?
-Com o maior prazer.
-Tenho que desligar. Até mais, pequena.

Se meu pai tivesse aqui, ele diria que eu estava bancando à  safada, enquanto um homem sai o outro me ligando e marcando meio que um encontro. Claro que eu não pensaria no juiz como algo mais íntimo.
James guardou o celular no bolso e veio caminhando na minha direção, ele manteve as mãos dentro do casaco preto, e deu um meio sorriso. Alguém do outro lado do  lago soltou fogos, a luz colorida atingiu a gente. O som também, pulei no banco com o susto.

-Parece que alguém foi pedido em casamento.

-Como sabe? Se estamos tão distante. - realmente alguém estava ajoelhado do outro lado.

-Só sei. Pelo modo como as coisas estavam indo. Mas, mudando de assunto, parece que seu padrinho está metido nisso à  muito tempo. Ele não é só cliente, o cara já foi investigado por lavagem de dinheiro, e mais umas coisas. Lamento Marjorie.

-Tá tudo bem. -Não estava não. - Todo mundo tem que pagar pelo que fez.

-O que acha de darmos um Oi para o seu padrinho? -Sabia, só pela forma como ele olhava para o lago.

-Assim? Do nada? Tipo, Oi tio, trouxe meu amigo juiz para entrar na sua casa, mas por favor, não me mata. - Encostei no banco frio. - Desiste, ele vai desconfiar, ainda mais se eu levar você, dizendo que é meu amigo. Ele vai querer saber do Ben, e vai ligar pro meu pai, e vai dar um rolo  maior ainda,  podendo desmascarar a gente.

- Não se eu for sendo seu namorado. A gente leva seu amigo e finge estar apaixonados. Eu só preciso que você me ensine chegar até o escritório dele , ou o quarto. Prometo ser rápido.

-Vai ser arriscado de mais James, olha e se eu for no escritório? -Pensei ver os olhos dele se iluminando.

-Também é uma boa oportunidade. Só que você não me disse se entra nessa comigo ou não. Sabe como é, não gosto de obrigar ninguém a fazer nada.

-Se eu voltar na metade do caminho não vai ser legal. E além disso, se eu morrer não será em vão. -O cachorro dele chegou perto de mim e deitou no meu colo.

-Parece que alguém gostou de você. -James sentou ao meu lado.

-Está ficando tarde, é  melhor a gente ir andando. -Ou eu seria obrigada a perguntar qual o nome do perfume dele, e isso iria gerar uma outra conversa.

-Tem razão.

James era uma homem misterioso, enquanto eu abria o jogo sobre tudo, ele se mantinha calado, o cachorro era a única coisa que nos mantinha na conversa. Não tocamos no assunto, aliás eu banquei a faladeira o caminho todo, enquanto ele sorria e perguntava coisas sobre o Brasil, ou o quê aprendi com a minha mãe, embora eu tenha passado pouco tempo com ela, aprendi muito sobre os costumes dos nativos.

- Lembra de alguma história? Sei que seu povo tinha muitas. -Ele parecia tão mais novo andando ao meu lado.

-Não me lembro muito. Mas tem uma que minha mãe contava. Acho que era sobre uma Índia jovem, ela mantinha um amor escondido pelo filho do cacique. Um dia o belo homem foi levado para a mata, afim de defender as terras do nosso povo. Porém o jovem foi vítima de uma emboscada e morreu. O pai ficou tão louco que matou todos os homens que estavam lá. A moça vendo o seu único amor sendo trazido sem vida, correu até a mata e fez um pedido aos espíritos ancestrais, ela disse que daria metade dos anos dela de vida para ele, não importa se ela morresse jovem. Um vento forte passou por ela e mexeu em seus cabelos cumpridos. Mais tarde quando ela voltou o povo estava em festa, o jovem havia voltado dos mortos.

-Eles se casaram?

-Aí vem a melhor parte. -Fiz silêncio, até ele chegar mais perto. - Algum tempo depois ela foi pedida em casamento por ele. Tiveram muitos filhos, no dia do nascimento do oitavo menino ela recebeu uma visita, não qualquer uma. Ela sentiu a mesma brisa e então um índio muito forte apareceu. Ela era o espírito ancestral para quem ela chorou. A jovem tentou dizer que agora tinha filhos para criar, mas se fosse levá-la, ela iria muito feliz. O espírito disse que por conta do amor e da bravura ela teria todos os anos de vida dobrado ao lado dele, e quê  teriam filhos fortes e corajosos.

-Só? E depois?

- Tiveram, todos fortes guerreiros, justos com o povo, e no dia em que ela partiu ao tombar na terra um vento, dizem que o mesmo, passou no lugar e sentiram um cheiro de flor de laranjeira. A quem diz também que no dia que o amor dela morreu viram eles indo de mãos dadas na direção da floresta.

-Aconteceu mesmo? -Ele havia parado.

- Dizem que a grande maioria sim. Eu, particularmente gostava muito dela, e sempre quis acreditar que sim. Minha mãe dizia que o amor fazia tudo. Foi ele unido à  fé da menina que fez tudo até o fim.

Benjamin teria feito um milhão de perguntas, ao passo que James se manteve pensativo até chegar em casa, de vez em quando ele dizia um nossa, ou que coisa não?
Ele estava tão absorto com a história que nem se preocupou em pegar na coleira do cachorro.

-Então. Minha jornada acaba aqui. -Ele parou em frente a casa da família dona do condômino.

-Você não mora aí né? -Apontei para a casa.

-Não é minha. Meus tios deixaram ela para mim.

-Hum.- Ganhei um ponto por saber alguma coisa mesmo que pequena da vida dele. -Então, até mais.

Acabamos nos esbarrando quando ele ia entrar e eu continuar meu caminho. Dessa vez foi sem Beijos de despedida, só um aceno de mão.

Meu pai já estava dormindo, embora eu não tenha chegado em casa muito tarde. Encostei a porta e subi as escadas bem de vagar, um degrau após o outro e logo eu estaria no meu quarto.

-Alo?
-Tio? Que saudade.
-Como vai pequena?
-Bem. Tenho novidades.
-Que bom. Quais são?
-Eu posso ir aí? Queria apresentar meu namorado pra você.
-Ben? Vocês?
-Ah, não. Mas estamos bem também. Ele irá comigo, se o senhor quiser é  claro.
- Posso recebê-los amanhã. Para o jantar.
-Combinado.

Minhas mãos suavam, mais um pouco e eu não conseguiria mais falar. Ainda bem que estava tarde, ou ele estava ocupado fazendo, não, eu não tinha o direito de pensar tanta besteira dele.

-O que tanto pensa filha?

-Pai. Meu Deus, eu pensei que o senhor estivesse dormindo. -Encarei meu pai de pé na porta.

-Não.  Eu estava falando ao telefone. Na verdade era pra você, mas como não estava eu atendi.

-E quem era?

-Rita. Ela resolveu aparecer...

Meritíssimo Juiz  @PremioshakeOnde histórias criam vida. Descubra agora