Meu olhar e toda a minha atenção está no recado escrito a lápis que deixei para Henri no banco de pedra desse lugar. Qualquer pessoa que lesse, não entenderia o contexto, então descarto qualquer hipótese da denuncia ter partido disso. O lugar está tranquilo como sempre, fui eu quem trouxe a atmosfera de clima pesado para cá, logo após fazer um breve resumo do que vivi nos últimos meses. Para mim, isso não é agonizante. Muito pelo contrário, gosto do fato de colocar tudo sobre a mesa, como um álbum de fotos com memórias de anos. Isso me ajuda a não esquecer tudo de vez.
Sentado no branco e observando (ou tentando) os prédios e residências lá em baixo, devido as árvores que parecem crescer com pressa, posso parecer tranquilo e acomodado, mas a minha mente está numa eterna luta. Contra mim.-Ele passou anos te humilhando a troco de nada, e depois decidiu que estava tudo certo só porque te beijou no baile.-Diz Oliver, após um curto silêncio, segundos depois de ouvir os meus longos minutos de história. O fato é que, só contei o meu ponto de vista nisso tudo. O passado de Henri não lhe diz respeito, apesar de eu ter mencionado que o pai dele foi um maldito filho da puta. Também não mencionei os crimes que acredito que cometeu. Ainda não.
-É mais complicado do que parece.
-Eu sei que não pediu a minha opinião, mas isso me parece meio doentio.-Não julgo a sua sinceridade. Eu até concordo. Porém, depois de tanto me imaginar (e viver) sem Henri, eu concluí que simplesmente não consigo.-Esse tipo de relacionamento acaba com a gente...
Assinto, sem fazer muito esforço, pois agora que o efeito da anestesia passou por completo, posso sentir todas as dores com mais intensidade. É insuportável, como se eu tivesse tomado uma surra, e por isso evito me mexer o máximo possível.
-Estou aprendendo isso da pior forma possível...-Comento, deixando de encarar o nada por um instante.
Oliver repara no curativo na minha testa, bom, é claro que já tinha reparado antes, mas dessa vez, parece montar um quebra cabeça na sua mente. Sua cara é de horrorizado.
-Isso... aconteceu ontem a noite, não foi?
-Eu caí da escada.-Afirmo.-Juro.
Não consigo notar alívio na sua expressão. Ao que parece, não o convenci. Continua me observando como alguém que acha que preciso de ajuda -como todo mundo-. Era o que eu mais temia.
A sua atitude, talvez involuntária, me faz ficar ligeiramente envergonhado. Eu não posso fazer nada para mudar o que pensa, e também não posso julgá-lo, é simplesmente o que todos pensam, o que faz sentido, o mais fácil de se acreditar.O toque do seu celular acaba com o silêncio. Sinto que esperava por isso, quando rapidamente o apanha no bolso. Foi uma péssima ideia contar tudo, mesmo. Se eu estivesse fora dessa história, teria a mesma atitude que ele.
-Bom... acho que alguém sentiu falta do carro.-Diz, recusando a ligação, que provavelmente foi da sua namorada. É a primeira vez que se aproxima desde que chegamos aqui, para me ajudar a levantar. Eu particularmente não precisaria disso, mas quero que me toque. Sinto uma ridícula falta de contato físico, ou sei lá, talvez só um ombro para chorar. Um que não esteja deslocado como o meu.-A sua mãe provavelmente vai começar a me odiar, mas me diz, pra onde quer ir?
*
Antes mesmo de começar a receber ligações da minha mãe, desliguei o meu celular, mais cedo. Sei que tô péssimo, mas vou ficar pior se voltar para aquele hospital. Não quero me sentir inútil, mesmo não sendo capaz de mudar alguma coisa ainda.
Pedi para Oliver me trazer na casa de Callie. Ao que parece, tinha pressa, pois sequer perguntou o que eu pretendia fazer aqui... não é como se devesse perguntar, tipo, eu não senti que estava nem um pouco curioso ou interessado em saber. Isso me convence de que acha que sou um caso perdido. Disse "se cuida" e esperou até eu tocar a campainha para enfim cair fora.Mais uma frustração, porque todas as outras não foram suficientes. Sinto que perdi algo que nunca tive.
Callie demora um pouco para abrir a porta, não deve saber que se trata de mim. Se soubesse que mal posso me manter de pé...-Colabora aí, acabei de acordar.-Diz, enquanto abre a porta. Já são quase duas da tarde. Logo dou de cara com o seu cabelo que aparentemente não entra em contato com um pente há dias.-Meu Deus, você tá acabado. O que rolou?
Entro antes mesmo de me convidar. Temos um grande problema, ou melhor, eu tenho. Mas a verdade é que Callie é a única que pode me ajudar. Karen é uma das minhas suspeitas sobre a denuncia que causou a prisão do Henri, e eu não conheço ninguém melhor para arrancar informações. No caminho para cá, reconheci que foi burrice decidir me distanciar de Callie, ela só estava tentando ajudar. De uma maneira inconveniente, mas estava.
Me jogo no sofá, grunindo de dor.-Você não vê TV?-Questiono.
Leva suas mãos a cintura, estando na minha frente. Parece ter acordado recentemente de um dos melhores sonos da sua vida.
-Ah, desculpa, é que tem sido uma loucura recentemente... os meus pais estão voltando, aproveitei a oportunidade pra ficar chapada ontem e acabei apagando até agora.-Olha para o seu relógio de pulso da hello kitty que usa desde que éramos crianças.
-Eu estava com o Henri... mas alguém o denunciou... eu acabei caindo da escada, e agora todo mundo jura que ele tentou me matar.-Explico, em meio a pausas curtas. Ainda que pareça estar tentando raciocinar o que ouve, sua expressão é de incrédula, como se soubesse de notícias da atualidade após dormir por anos.-Eu fugi do hospital.
Cruza os braços, estreitando o olhar.
-Como pode ter certeza de que não foi você novamente?
-Não foi!
Tento me levantar, com muita dificuldade, para que possa perceber o quão sério é o assunto. Um dos meus joelhos parece querer falhar.
-Tá, e quem você acha que foi então?
Não tenho mais do que três possíveis opções. Contei para a Dra. Susan na minha última sessão que tenho visto Henri, mas ela não poderia saber o momento exato, para então denunciar, por exemplo. A segunda opção é, alguém da vizinhança ter visto-o entrar. Mas então, por que demoraria tanto para ligar e chamar a polícia?. E a última, é claro, Karen. Entre as três opções, a que mais tem motivos para foder com ele.
-A Karen ficou sabendo.-Afirmo.-Tenho quase certeza.
-Ah, claro. Saber das coisas é a cara dela.-Ironiza, com tom de desdém.
-Preciso que pergunte de forma discreta, insinue querer mandar o Henri pra cadeia também.-Peço.
-Aham, acho que não vou precisar me esforçar.-Entendo que está tentando me punir por eu ter sido tão duro naquele dia, mas eu tenho certeza de que vai fazer isso. Também não a julgo por questionar as atitudes de Henri, ela não leu aquele diário.
Também pretendo levar a tona o conteúdo do diário e o lugar no terreno que provavelmente está em posse do maldito Dr. West, também tem aquele porão asqueroso na casa, não é possível que não faça algum sentido. E claro! também temos uma possível testemunha, como eu poderia esquecer?
-Cadê a tua vó?
Callie vira para mim de imediato.
-Ai, merda. Eu não te contei.-Começa a dizer, espero o pior. E uma chance crescente de fracasso nos meus planos.-A vovó teve um infarto.
Estou surpreso, e pareço surpreso, ainda mais pela naturalidade a qual usa para informar.
-Serio?-Questiono.-Meus pêsames... eu nem sei o que dizer...
-Relaxa, ela não morreu. Só se mudou pra a casa dos meus tios, que são muito mais responsáveis do que eu. Aquela senhorinha vai enterrar todos nós um dia...-Conta, o que me deixa ligeiramente aliviado.-Mas ela não tá falando coisa com coisa, é melhor ficar fora dessa.
Assinto, reconhecendo que essa guerra ainda terá muitas batalhas, e a maioria eu já perdi. O tempo passa, enquanto o meu desespero cresce, quase me fazendo sufocar. Estou sempre pensando em como ajudar Henri, e quando paro para pensar em mim, é quando noto que não estou bem. De jeito nenhum.
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Frenesi
RomanceSEQUÊNCIA DE "BULLYING". "Eu não posso esquecer de quem eu sou... Onde você está? Por que não volta para mim, para então podermos resolver toda essa bagunça? E se... eu acabar me interessando por outra pessoa? (...) para o nosso bem, eu não posso es...