Capítulo 24 - Fogo

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Dei um jeito de voltar para casa antes de acabar apagando. Liguei o meu celular, e avisei para a minha mãe, que estava desesperada, o que tinha acontecido. Eu não ligaria para Oliver novamente de jeito nenhum, eu nem sei se ele quer me ver de novo.

Tive que voltar para o hospital, por acabar tendo alguns probleminhas com os meus pontos. E, claro, saindo do hospital diretamente para uma consulta com a psicóloga. Além de ser o dia, a Dra. Susan exigiu. E bem... vejo preocupação no seu olhar, um pouco além do normal.
Eu ainda não dei uma palavra hoje. Tudo o que fiz foi entrar na sala, sentar no divã, e mexer a cabeça.
Eu até achei que gostasse de vir aqui, mas pra ser sincero, dessa vez só vim para não deixar todo mundo preocupado. É doloroso ouvir suposições que resultaram numa tamanha injustiça o tempo todo.

-Saiba que foi um passo muito grande ter vindo até aqui hoje.

Diz, como sempre.

*

Os dias que passaram, vieram com a  certeza de que o Henri tem um advogado, o próprio, que inclusive é da defensoria pública, até se pronunciou na TV ontem. Ele mais parece um iniciante. Tudo o que disse foi que o seu cliente aguardará julgamento, enquanto o possível e necessário será feito. E eu pensei que pudesse pensar em ficar aliviado...

Pude ver também que fora transferido para uma prisão, que mais funciona como uma espécie de purgatório, aguardando ansiosamente pelo julgamento, o qual, já tem um resultado negativo, que só poderá ser alterado por mim.
Recusei três ligações de Nelly até ela aparecer na minha porta. Eu não estava preparado para ver ninguém, mal saí de dentro do closet da minha mãe, onde fica a gaveta com os milhares de documentos por assinar das propriedades que costumavam ser do falecido Dr. West, a procura de alguma coisa que indique a existência do tal lugar que mais parece ser abandonado, porém, só tem sido assim depois de sua morte. Não encontrei nada e quase fui flagrado.

-Ai, pelo amor da Deusa! Foram os cosmos...-Exclama, assim que abro a porta. Tem seu celular gigante em mãos, e acredito que exagerou um pouco no bronzeamento artificial, pois sua pele está quase como uma cenoura. Entretanto parece animada como sempre. Minha cara mostra confusão (e cansaço).-O advogado que pegou o caso do seu ex! ele é meu primo de segundo grau.

Mostro mais confusão ainda. Pelo visto a falta de profissionalismo é de família. Por enquanto, não vejo vantagem nenhuma nisso tudo. Nelly só quer aparecer, e está evidente que o seu primo também.

-O que?-Questiono.

-Loucura, não é?! Eu sugeri o caso, ele não queria pegar, disse que seria perca de tempo. Tenho tudo para fazer a minha carreira agora! Informações de primeira mão!-Dá um pulinho de alegria.-Espero que isso não te ofenda...

Mexo a cabeça negativamente para evitar mais assunto. Ingeri algumas pílulas mais cedo, e por isso estou fora do ar. Posso pensar em como fazer ela cair na real e notar que sua idéia é meio egoísta mais tarde.

-Tudo bem.-Afirmo sem muita certeza, pensando em fechar a porta e voltar para a cama.

Nelly continua falando um monte de coisa na porta da minha casa, sobre como odeia o fato de ter que estagiar grande parte do dia e não poder tomar sol de verdade. Eu penso. Me esforço. No fundo, sinto que não devo fechar essa porta agora.

O tempo continua passando, e passa muito mais rápido quando estou sob efeito dessas drogas. Henri não está. Os segundos passam como horas para ele lá, onde quer que esteja. Eu prometi, para ele e pra mim mesmo. Eu não posso continuar vivendo assim, afogado em culpa e literalmente morrendo por dentro. Eu quero deitar e dormir a noite, e se ele estiver ao meu lado, será melhor ainda, por mais que as incertezas ainda me dominem.
Vejo uma oportunidade na minha frente, na garota meio sem noção que fala de mais.

-Eu pedi para ele tomar conta do... qual é o nome mesmo? Henri, né?

-Fala sobre aquele depósito no meio do nada. Aquele que fomos naquele dia.-Digo, de repente.-Por favor.

Sinto que meus olhos brilham com esperança. Sinto um breve frio na barriga, só de pensar que tem alguma chance de dar certo. Mais uma vez, me vejo criando expectativas. E isso é bem raro.

-Você tem certeza?-Nelly não apresenta surpresa na sua expressão. Parece mais curiosa, é como se tentasse descobrir como fiquei sabendo de mais.

Assinto rapidamente.

-Pede pra apresentar como prova ao juiz antes mesmo do julgamento.-Arrisco dizer, tendo em mente que o julgamento pode demorar pra caralho.-Também tem... um porão na casa onde o Henri morava... alguém já esteve preso lá, eu tenho certeza! E também tem um diário...

Se eu não a conhecesse, diria que pensa que estou ficando maluco. Bom, não a conheço, provavelmente está. Estou jogando todas as minhas expectativas numa incerteza. Começa a se afastar devagar, assentindo.

-Tudo bem...-Diz.-Vou ver o que posso fazer e te ligo mais tarde, ou amanhã.

Só então noto que as minhas mãos estão literalmente tremendo, como um dependente químico em abstinência... e se eu estiver em abstinência? Me preocupa não estar preocupado com isso tanto quanto deveria. Também continuo assentindo, mesmo depois que entra no seu carro e se despede.

Expectativas incertas são uma merda.

*

Finalmente consegui dormir de verdade depois de tanto tempo só fechando os olhos por alguns minutos. Acho que o meu corpo dependia disso para que eu continuasse vivo. Os medicamentos fizeram a minha ansiedade amenizar, mas sempre que os consumo, acordo no dia seguinte me sentindo um lixo. Eu não estava entendiado, pelo contrário, eu estava morrendo de sono. Mas não poderia dormir, eu sentia que deveria esperar acordado por mais notícias... mas... que notícias?
Lembro que meses atrás, eu costumava fazer muitos desenhos em uma única noite. Eu colocava o meu fone de ouvido e começava a desenhar qualquer coisa enquanto pensava em Seth e esquecia que o mundo existia. Era como uma espécie de terapia mais eficiente para mim, era uma das coisas que eu mais gostava de fazer, e só voltei a me lembrar disso mais cedo.
Desenhei um ceifador, ceifando todos os meus sonhos.

Larguei o caderno de desenhos da época do colégio na escrivaninha e me joguei na cama. Tenho impressão de que peguei no sono assim que pisquei.
Não me recordo do meu sonho com muitos detalhes. Eu normalmente não sonho quando estou sob efeito de remédios, são caros raros. Entretanto, posso me lembrar que, no sonho -ou pesadelo-, eu retornara para a noite do baile. O começo do fim de tudo. Eu caía da escada, como aconteceu com o Dr. West. Eu quebrava o meu pescoço e agonizava em dor e sangue, enquanto Henri repetia para mim que eu fazia tudo errado, o tempo todo.

Acordei, algumas horas depois, com o meu pescoço doendo porque dormi de mal jeito.
São quase meia noite, ainda estou com muito sono, mas luto conta mim mesmo para permanecer acordado. Levanto-me para descer e tomar um café.

Já próximo a porta para sair, ouço o meu celular tocar e literalmente pulo de volta a cama para apanhá-lo. É uma ligação de Nelly.

-Sim?-Digo, atendendo antes mesmo do segundo toque, enquanto sinto um frio na barriga e espero que ela não tenha ligado para falar sobre signos de zodíaco.

Ouço-a discutir com a atentente de um drive thru do outro lado da linha.

-Oi, alguma coisa aconteceu e agora o meu primo meio que me odeia.-Diz, deixando o mistério prevalecer. Estou literalmente tremendo.-Quem mais sabia desse lugar, Kody? Você tem certeza que era do doutor falecido?

Começo a andar de um lado para o outro, assentindo como um maluco.

-Sim, claro! Eu tenho certeza. O-o que aconteceu?!

-O galpão pegou fogo. Chegamos depois dos bombeiros e já estava quase apagando.

Me encontro boquiaberto no escuro do meu quarto, confuso, porém com milhares de teorias. O Dr. West não está vivo de jeito nenhum! Tem alguém ferrando com tudo, mas não posso deixar a minha auto sabotagem me convencer de que ele está vivo e planejando uma vingança.
Se eu estivesse no meu estado normal, estaria extremamente furioso agora mesmo. Ao que parece, tudo está dando errado, mas isso não pode ser coincidência, de jeito nenhum.

Corro para descer as escadas e ir pegar o carro.

FrenesiOnde histórias criam vida. Descubra agora