Capítulo 21 - Sangue

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"As buscas por Henri West, suposto responsável pela morte do próprio pai, o renomado doutor Sean West, continuam. Imagens de uma câmera de segurança, supostamente o mostram na noite passada, vendendo o seu carro numa concessionária de usados. Segundo testemunhas, o jovem foragido tem aparecido com frequência, e em diferentes localizações, sempre muito cuidadoso e a frente da polícia..."

Ouço o barulho da TV enquanto desco as escadas. Foi uma péssima ideia deixá-la ligada, de qualquer forma. Quase passo direto pela sala de estar, indo em direção a cozinha, mas noto que está parado lá. Na frente da TV e olhando para sua própria foto no jornal. A sua expressão não apresenta nada, é muito provável que nada mais possa afetá-lo.
Joga-se no sofá logo atrás.

-Droga... eu deveria ter desligado isso.-Corro para alcançar o controle remoto. A minha sensação de que somos intocáveis pelas próximas, sei lá, meia hora, está quase indo embora. Eu não vou deixar isso acontecer.

-Não faz diferença.-Diz.-Eu nem sei porque ainda tô fugindo.

Respiro fundo após apertar o botão vermelho e desligar a TV. É bom que esteja encostado e olhando para o teto, assim eu posso ficar olhando para ele como um idiota apaixonado. Chego a quase perder a noção do tempo. Na verdade, ainda preciso recuperar as minhas memórias. Eu não quero correr o risco de esquecer o seu rosto novamente.

-Isso é culpa minha...-Comento, não conseguindo fazê-lo reagir. Se soubesse o quanto essas palavras são dolorosas para mim, e o quanto esperei para dizê-las.-Eu estava tão desesperado...

-Para de falar besteira.

-Eu... te dei a ideia para fazer aquilo, e depois... depois eu te denunciei! Eu liguei para a polícia porque estava com medo de te perder.

Interrompo a minha fala quando primeiro ergue a sua cabeça, antes apoiada no encosto do sofá. Levanta-se devagar, e sem tirar os olhos dos meus, caminha na minha direção. Tenho memórias e sensações de volta. Um milhão de sentimentos. Frio na barriga, a sensação de imprevisibilidade que eu tinha nos corredores daquela escola, toda aquela emoção, negativa ou não, me fazia sentir vivo de verdade; diferente de como vivo hoje. Na sua expressão, como de costume recentemente, não sou capaz de identificar nada. Estou muito ocupado me encolhendo... mas por que?

Para bem na minha frente.

-Presta atenção.-Diz, após um breve suspiro, porém o meu olhar descera involuntária, de encontro ao chão.-Presta atenção!-Leva sua mão a lateral do meu pescoço e me faz erguer a cabeça. Já tem lágrimas nos meus olhos.-Eu tô sendo procurado. Vou ser massacrado no tribunal e provavelmente vou apodrecer na cadeia para sempre, alguém vai tentar me matar por lá, porque eu não vou abaixar a cabeça para aqueles filhos da puta. Se eu tiver muita sorte, vou sair de lá quando tiver velho e vou passar o resto da minha vida medíocre sem dormir a noite lembrando daquele lugar. Mas, quer saber? eu nunca me senti tão satisfeito. Eu não me arrependo do que fiz naquele dia. Toda essa merda de culpa não serve para nada.

O impacto das suas palavras me fazem engolir em seco. Não me tranquilizam de forma alguma, pelo contrário, me fazem pensar que está começando a se conformar com o futuro que acha que terá. Isso é desesperador, e só me faz pensar que demorei muito para começar a pensar em como resolver isso tudo.

Levo a minha mão até a sua, segurando-a firme. Após pedir com o olhar, começo a caminhar até a escada, imduzindo-o a vir comigo. Não tenho muitos motivos para ter esperanças ultimamente, por isso quero aproveitar o primeiro momento de "paz" que temos em meses, pois não faço ideia de quando o próximo irá acontecer.
A escada me parece mais o caminho para um paraíso utópico e impossível, onde temos momentos assim todos os dias.

FrenesiOnde histórias criam vida. Descubra agora