Acordei muito mais cedo do que o normal, não só porque despertei no meio da noite e o sono fugiu de mim, mas porque eu tive um sonho daqueles. Bom, quando cheguei da casa de Callie, assisti qualquer coisa na TV com a minha irmã, e logo fui dormir. Eu literalmente consegui dormir com grande facilidade, acredito que a ausência de cafeína no meu dia contribuiu com esse feito memorável.
Eu estava... correndo pelos corredores daquela casa, que no meu breve delírio, pareciam infinitos... eu fugia de Henri, enquanto ele chamava o meu nome, e eu não sabia exatamente o motivo de eu estar fugindo. Mas, o que me deixou mais intrigado, foi que nunca o ouvi dizer o meu nome. Nunca mesmo. Então eu acordei as cinco, e fiquei pensando sobre isso até as oito, que é o horário da minha consulta hoje.
Eu estava transtornado e admito isso, mas eu não pensei em ligar para a Doutora para não incomodar.-A situação representada no sonho pode estar ligada ao seu passado... as agressões. Lembro que você ressaltou uma vez que o Henri costumava te importunar no colégio.
A Dra. Susan me conta o óbvio. Assinto, Deitado de lado no divã como se este fosse a minha cama. Eu nem pisco direito e o meu olhar está parado no nada.
-Isso só pode ser coisa da minha consciência.
Fecha o seu caderno de anotações e tira os óculos do rosto.
-Kody, presta atenção; você não tem nenhuma responsabilidade sobre a morte do Dr. West. Eles tinham uma relação complicada e todos sabem disso, Henri foi o único culpado. Ficar se culpando não lhe trará progresso nenhum. Lembre-se que você não poderia mudar o que aconteceu.
Suas palavras não me convencem. Eu nunca vou deixar de me culpar por ter contribuído com tudo isso, de alguma forma. Henri está sumido há quase cinco meses, ainda sendo procurado e considerado o principal suspeito pela morte do pai, e tudo isso porque eu estava lá momentos antes. A minha culpa é tão grande quanto a do Dr. West, que era um filho da puta.
Assinto, pensando em como mudar de assunto. Ela já está acostumada com isso e nunca questionou, diferente do outro terapeuta.
-Fui aprovado em duas faculdades... mas eu não tô nem um pouco preparado.-Digo, de repente, logo após terminar o seu discurso sobre auto perdão.
-Eu entendo plenamente. Já considerou fazer gap year? poderia te ajudar muito e além disso, você teria mais tempo para por as coisas em ordem.-Na minha cara só há confusão enquanto espero que explique.-Se trata de uma pausa de 1 ano antes da faculdade, na qual o aluno pode produzir várias atividades educacionais e de desenvolvimento. Eu fiz isso e recomendo, principalmente para quem tiver dúvidas ou algum tipo de insegurança.
Há grandes chances de essa ser a melhor idéia que alguém já me deu. Se eu tivesse pensado nisso antes, seria um motivo a menos para a minha ansiedade estar me matando aos poucos. Tenho muita coisa para por em ordem e tão pouco tempo que chego a pensar que vou surtar a qualquer momento.
*
Meu turno a noite finalmente chega ao fim, as exatas 9 horas. Me mantive de pé o tempo todo para pelo menos tentar sentir na pele o que é estar cansado e não ter no que pensar além disso. Observando através da porta de entrada, de vidro, e que dá acesso ao estacionamento, nada fora do normal. Eu posso quase que literalmente me ver lá, ao lado de Seth, como costumava ser há... sei lá, as vezes parece que já se passaram muitos anos. Quando eu ainda tinha muitas esperanças e expectativas, como todo adolescente, e imaginava um futuro bobo e feliz com ele. Isso era tudo o que eu queria, se eu ao menos pudesse voltar no tempo, o faria sem pensar duas vezes. E mais uma vez, me vejo tendo expectativas, mas estas são impossíveis.
Meu celular começa a vibrar em baixo do balcão. A princípio, penso se tratar da minha mãe. Desde que parou de ficar 90% do dia deprimida, agora se preocupa de forma desnecessária com todo mundo que a rodeia. Mas é apenas Callie, e com certeza não será para se oferecer pra me ajudar a varrer a sala de cinema. Decido atender.
-Emergência?-Questiono.
-Sabe a Cami? Ela tá morando no campus e vai dar uma festa! A gente meio que precisa ir.
Provavelmente deve ter esquecido do grande detalhe; a vovó. Mas, conhecendo a amiga que tenho, Callie tem todo um plano elaborado na sua cabeça.
Sobre a festa, demoro alguns segundos para analisar a situação. Eu não estou pronto para encarar algumas pessoas do ensino médio. As vezes respondo as mensagens de texto de Karen perguntando se estou bem, e só. Meu contato com essas pessoas para por aí, não estou pronto para responder perguntas sobre o que aconteceu após o baile caso eu encontre alguma daquelas pessoas, mas também não sinto que ir seja uma péssima ideia. Afinal, um campus está cheio de pessoas novas, e isso meio que seria bom para mim, segundo a Dra. Susan, até porque, a propósito, já posso me considerar antissocial.-Vou pensar.-Respondo, sem muitas delongas, vou ter tempo para isso. E também para ficar ansioso e pensando nos mínimos e mais insignificantes detalhes, sempre com uma leve impressão de que vai dar tudo errado, e é sempre assim.-Isso é tudo?
-Ela quer te ver e me pediu o seu contato novo.
Minha mão corre até a minha cintura nesse exato momento. Quantas perguntas Cami quer me fazer? porque sinceramente, eu não estou a fim de responder. Ainda tenho o meu contato antigo, e não posso mentir pra mim mesmo, tenho esperado um mínimo sinal de Henri, esse é o único motivo. Ignoro as outras mensagens que chegam. Todo mundo só quer saber de uma coisa, e a resposta é que eu tô de saco cheio.
-Não brinca...
-Relaxa, eu não dei. Inventei uma mentira que nem lembro mais, mas colou.
A luz externa começa a piscar, isso acontece com frequência, e admito que chega a ser assustador. Nos primeiros dias, eu me sentia em um filme de terror. A sensação volta, já que deve ter só umas três pessoas na única sessão que está passando no momento. Aqui, o silêncio domina. Isso acontece quando o sensor de proximidade (velho pra caralho) é ativado depois de ficar parado por um tempo. Algum animal pode ter passado na frente enquanto eu estava com a minha atenção voltada a máquina de tíquetes. Continuo murmurando "hmrum" para tudo o que Callie diz enquanto sigo até a porta devagar. Eu só preciso ir lá desligar e ligar novamente.
-Se eu não responder mais, chama a polícia.-Brinco com a situação.
Quando abro a porta de vidro, uma brisa fria me atinge. Do outro lado da linha, ouço uma discussão divertida (só para quem não está participando) entre Callie e a vovó. Ainda no caminho para o sensor, tiro o celular, que vibra brevemente, do meu ouvido por um instante. Sei que se trata de uma mensagem de texto, mas no momento em que olho para a tela, ainda apagada, posso ver o reflexo do que acredito ser alguém passar atrás de mim. O meu sangue congelada, quase literalmente. Derrubo o meu celular no chão e viro imediatamente, não vendo nada. Atrás de mim, havia uma das laterais do estabelecimento, onde fica uma espécie de viela com o muro do lugar. Eu não sou dessas pessoas que vão correndo olhar do que se trata nesse tipo de situação, então fico na minha, porém sem tirar os meus olhos de lá, recolho o meu celular, e entro, empurrando a porta com as minhas mãos trêmulas. Se isso for coisa da minha cabeça, eu vou ficar muito preocupado.
-Kody? você tá aí?-Acredito que Callie tenha ouvido o barulho do meu celular caindo. De repente, fico com vontade de perguntar se ela acredita em fantasmas.
-Tô bem, só estava meio ocupado.-Olho para o lado de fora, vendo que as luzes ainda piscam.-Depois falamos.
Quando desligo a ligação, respiro fundo. O meu sentimento de culpa está me fazendo ver coisas, começo a me questionar o que mais é necessário para eu tomar uma providência e resolver, pelo menos, os meus erros mais possíveis.
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Frenesi
RomanceSEQUÊNCIA DE "BULLYING". "Eu não posso esquecer de quem eu sou... Onde você está? Por que não volta para mim, para então podermos resolver toda essa bagunça? E se... eu acabar me interessando por outra pessoa? (...) para o nosso bem, eu não posso es...