Capítulo 33 - Questões

997 151 40
                                    

-Vai dar tudo errado, eu tô sentindo!-Digo eu, andando de um lado para o outro. Deve ter por volta de uma hora que faço isso, os meus pés chegam a doer. Eu deveria ter tomado um medicamento antes de vir.-Tem tudo para dar errado!

-E aqui estamos nessa mesma situação, você surta, eu te consolo e assistimos o Henri agir ao vivo... só que dessa vez não é atravéz da minha janela.-Callie não me ajuda muito, enquanto mexe o seu café numa xícara chique. Deve ser o terceiro que toma.-Por que a gente não pode ficar na platéia, hein?

Ela se ofereceu para vir assim que lhe contei, eu meio que nem hesitei antes de aceitar. Callie é meio sem noção, mas ainda assim, é uma das únicas duas pessoas que confio, tipo, ela não me julgaria se eu sugerísse sairmos correndo daqui a qualquer momento.

-Isso não ajuda.-Tento ver se ele já está por perto. Não nos vimos desde que chegamos aqui, pelo que fiquei sabendo, tem uma equipe preparando-o para isso... o que não deixa de ser irresponsável, pois qualquer terapeuta o diria para não fazer isso, pelo menos não agora.

Estamos durante todo esse tempo nos bastidores, numa espécie de camarim que fica bem próximo ao estúdio. Podemos ver o programa de talkshow de horário nobre através de uma TV grande que temos aqui. A expectativa é grande, mas creio que seremos avisados antes dele aparecer lá.

-A gente podia tentar causar um apagão.-E esse é o tipo de conselho que recebo da minha melhor amiga.

A porta é aberta, eu viro-me imediatamente. O Henri acaba de entrar, aparentemente calmo, o que me causa um certo alívio. Me pergunto se já é tarde para cairmos fora daqui antes de qualquer tragédia, enquanto continuo na minha caminhada de um lado para o outro. Maldita ansiedade.

-Tá mais preocupado do que eu.-Diz, cruzando os braços e mantendo a sua expressão de "eu sei o que estou fazendo".

O anúncio na TV toma a minha atenção.

"E no próximo bloco, teremos com exclusividade a primeira entrevista com o Henri West pós liberdade... sim, o filho do famoso Dr. West".

As imagens exibidas brevemente são das cenas de crime, o que me deixa enojado e me faz ter frio na barriga. Eu daria qualquer coisa para simplesmente sumir daqui e não precisar dar satisfação nenhuma para ele.
Silêncio, espera uma resposta minha para a pergunta que nem fez.

-Olha... eu quero pedir desculpas por aquela vez que eu te chamei de maluco...-Callie volta a dizer de repente, como sempre na pior hora possível.-É que a gente era criança e você deu um soco no meu amigo, ele era bem menor do que você... vacilo.

Pelo visto, Henri já não está mais interessado em reviver o passado, pois sequer responde. Tudo o que quer é uma resposta minha... as minhas mudanças de comportamento o incomodam, mesmo quando é inevitável.

-Fala alguma coisa!-Diz ele para mim, que permaneço em transe.

Estou em pânico, tudo o que eu quero agora é estar no divã da doutora Susan respondendo perguntas sobre o meu dia a dia. Eu amo quando me pergunta sobre Oliver, tanto que nem consigo relacionar ao sofrimento que foi a minha história com o Seth.
Eu quero ter coisas boas para contar nas sessões, recentemente percebi o quanto isso é bom. Sentir que não estou morrendo aos poucos.
Bom, nesse momento não me sinto assim.

-Não...-Digo, uma lágrima corre pelo meu rosto.-Eu quero ir embora daqui...

Ele luta contra si mesmo. De repente, tão de repente, está no seu limite. Se aproxima e pousa a sua mão sobre a mesa ao meu lado de maneira agressiva.

-Eu também. Tô fazendo isso pela gente.-É evidente que tenta manter a calma, e como não quero me sentir culpado por mais uma de suas explosões, não vejo outra saída além de escapar... ou tentar. Agarra o meu braço.-Qual é a porra do seu problema?!

Nesse exato momento, a porta se abre mais uma vez. Alguém da equipe informa que ele deve ir agora para entrar ao vivo em cinco minutos. Isso não o faz me largar de imediato, mesmo depois que a pessoa vai embora.
Decido não usar de mais palavras, e tudo o que faço é arrancar a sua mão do meu braço usando a minha outra mão. Ele, então tira o seu olhar furioso de mim. Imediatamente saindo pela porta e a fechando com força.

Eu então suspiro aliviado. Sei que a sua intenção não é me ferir, mas ainda assim, pode vir a acontecer.

-Ok, aquilo foi assustador.-Comenta Callie, levantando-se do sofá onde estava sentada.-É o tipo de coisa que não dá pra fingir que não aconteceu, e você sabe bem disso...

Permaneço quieto e engolindo o choro, parado no mesmo lugar.
A porta se abre novamente, dessa vez é a Nelly, mais feliz do que qualquer pessoa na noite de hoje.

-Tá tudo bem aqui? que climão é esse?-Questiona.

-O ar condicionado tá com defeito.-Responde Callie.

-O programa está líder de audiência com muitos pontos de vantagem, sabem quando isso aconteceu?! Nunca!-Bate umas palminhas enquanto o diz, como se sua alegria fosse contagiante.

Eu simplesmente não consigo ver vantagem nenhuma nisso, nada além de exposição, como se tudo o que o Henri passou não fosse nada além do enredo de um livro qualquer. Um trauma reduzido a alguns minutos ao vivo respondendo perguntas na TV e tendo a sua versão questionada.

"Com vocês, falando pela primeira vez sobre o caso que enganou o mundo todo, Henri West!"

Os aplausos ecoam.

-Que se foda.-Digo, deixando a salinha que estamos, praticamente correndo. Sinto que vou vomitar se ficar mais um minuto aqui.

Consigo sentir o meu coração bater mais rápido a medida que corro pelos corredores para fugir daqui o mais rápido possível. O elevador está ocupado, então corro para as escadas, mesmo estando atordoado o suficiente para correr o risco de descer rolando daqui.

-Ei, me espera!-Callie chama a minha atenção, me seguindo, e só então consigo (voltar a realidade) e lembrar que estava comigo.-Vou chamar um táxi.

Reduzo os meus passos para respirar nos últimos degraus da escada. Ignoro ao máximo todo tipo de aparelho televisão que encontro pelo caminho, o que é mais fácil com Callie falando no meu ouvindo e mil pensamentos na mente.

-Não, não chama.-Digo.-Não quero mais ficar aqui nem pra esperar...

Passamos pela porta giratória que dá para a saída do prédio, e eu sigo andando pela noite fria. Sinto tanta coisa que nem sei por onde começar, consigo identificar, entre a multidão; decepção, medo e até um pouco de raiva. Quando percebo que estou com raiva, esse sentimento se intensifica. Agora, consequentemente piso no chão com mais força a medida que ando.

-Inacreditável, né?-Callie percebe.

Uma das principais questões, entre as dúvidas que me ocorrem, é que ele não está fazendo isso por nós. Sequer perguntou como eu me sentia em relação a isso... eu não quero carregar a culpa dele ter feito um "sacrifício" como esse. Não quero mais uma responsabilidade, que, dessa vez sequer procurei.

-Porra!-Exclamo.-Por que parece que essa história toda dói mais em mim do que nele?! eu não quero provas de amor, quero a porra de uma vida normal! Ao lado de alguém que me faça sentir normal!

-Bom, esse alguém não será o Henri.-Callie diz, com toda sinceridade.-Todo mundo sabe disso... e agora, você também.

FrenesiOnde histórias criam vida. Descubra agora