Capítulo 9 - Coincidência

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A minha casa está uma bagunça, no sentido literal. Tenho ocupado a minha mente com todo o lance da mudança. A nova casa é perfeita, e chega a me causar um sentimento de esperança... sinto que algum tipo de renovação está por vir, e isso é raro de acontecer. Talvez eu esteja enganado, mas prefiro acreditar que não.
Ainda não tive tempo para abrir e folhear o diário, mesmo sendo a coisa que mais quero fazer no momento, o deixei no porta-luvas do carro. Ontem, quando cheguei, apaguei no exato momento em que sentei-me na minha cama. Precisei tomar um medicamento, já que estava com uma ansiedade fodida e não sabia ao que recorrer. A doutora me recomendou meditação, mas eu tenho certeza de que não me qualifico.

No momento em que acordei, bem cedo, a equipe de mudança já estava por aqui. Toda a pressa é da minha mãe, já que só conseguiu dois dias de licença no trabalho, por ter sido promovida ao cargo mais importante recentemente. A minha irmã mais nova é a única pessoa calma nessa família, então pra ela tá sendo tranquilo.

Já no meu novo lar, ainda sem móveis, sou impedido de ir conhecer o meu novo quarto devido a uma ligação que acabo de receber. Apanho o celular no meu bolso. Mas... porque Oliver está me ligando tão de repente?
Penso muito antes de tomar uma decisão, também não deixo de pensar que possa ter algo importante a dizer.

-Oi?-Atendo, acreditando estar ciente de todos os gatilhos que a sua presença na minha vida me causa.

-Oi... bom dia... Como você tá?-Ouço conversas distantes ao fundo, o que me faz pensar que está na universidade. Tenho certeza que não ligou para perguntar como estou.

Enquanto elaboro a resposta, reparo nas paredes de cor creme do meu novo quarto, o que me desagradou. É bem maior do que o antigo, o qual eu nem tinha coisas o suficiente para preenche-lo. Bom, eu tenho um closet agora, é um mini cômodo a mais para manter limpo.

-Estou bem... eu acho.-Respondo, tentando dar um jeito na maçaneta dura da porta a puxando de qualquer jeito.

-Vai rolar uma festa na casa da Nelly amanhã, ela pediu para te convidar... início de período, sabe?

Nego com a cabeça, só porque sei que não pode ver. Abro a minha janela enorme, essa provavelmente será a última vez que faço isso, pois prefiro fingir que é noite para sempre, enquanto estou dentro do meu quarto.

-E por que ela mesmo não me convidou?

Silêncio. Deve estar pensando numa resposta que convença. Nelly me manda "bom dia", "boa tarde", "boa noite" e até o meu horóscopo todo santo dia, o que acredito que seja mensagem automática, porque não é possível, e não posso esquecer das frases do Dalai-Lama. E em momento algum citou que iria acontecer alguma coisa na sua casa nos próximos dias.

-Eu pedi para me deixar fazer isso.

Encaro a minha própria cara de confusão num espelho grande que há na parede de frente para onde ficará a cama. A minha vontade é de perguntar o motivo dele fazer isso, mas ainda não é o momento.

-Tudo bem... obrigado.

Se despede e desliga a ligação de forma seca, como quem acabou falando de mais. Eu sei que pareço ser idiota e que já fui em alguns momentos... mas a coisa mudou. Descarto a possibilidade de trote, deixei claro que não estou na universidade ainda. Ele provavelmente quer me encher de perguntas e teorias sobre Seth, e sinceramente, eu não estou nem um pouco a fim.

*

-Me pega as oito.-Diz Callie, após dar de ombros e sentar-se no banco de madeira que há no jardim de entrada da meu novo lar. Sinto que ainda vou me ferrar por ter prometido lhe contar 70% das coisas que rolarem comigo.

-Nós não vamos!

-Claro que vamos! somos praticamente calouros, nem entramos na faculdade ainda e já fomos convidados para uma festa! Uma festa de verdade, a da Cami foi uma merda, por isso fiquei bêbada.

Cruzo os braços.

-Você não foi convidada.

-Fala sério, Kody. Vai recusar um convite daquele gostosão? Eu tenho uma tia que é espírita, posso perguntar pra ela se o Seth aprova, sei lá.

Não canso de admitir que Callie passa dos limites quando quer muito alguma coisa, que falta de noção... o Oliver tem uma namorada, relacionado a mim, só a sua culpa constante pela tentativa de suicídio falha do irmão.

-Olha o que você está falando! Tá ficando louca?! Isso nunca me passou pela cabeça, nos não trocamos mais do que 10 palavras!-Começo a chutar as pedras no chão, ansioso e indignado. Callie finge se render.

-Ele não vai ser o único cara lá! já pensou nisso?!

-Isso é a última coisa que eu preciso!

A nossa discussão é interrompida quando noto que o barulho do motor de um carro que passava atrás de mim reduz. Viro-me imediatamente para olhar.

-Ei! O que faz aí? Que coincidência!-Quem é viva sempre aparece, e Nelly dirigindo um conversível de cor azul escuro com certeza é viva. Debruça-se sobre a porta do mesmo, a ausência de teto lhe ajuda nisso.-Espera aí... é para cá que você vai mudar? Eu moro bem ali.-Aponta para algumas casas, um pouco mais distante. Desse jeito jamais saberei qual é a sua. Lembro de ter dito uma vez que, diferente de Oliver, não mora no campus, mas sim por perto.

Assinto, forçando um sorriso e tentando distinguir qual seja. Posso ver garrafas de bebidas nos bancos do fundo do seu carro.

-Meu Deus! Sempre sonhei em dar uma volta num Porsche.-É claro que Callie precisava se mostrar presente. Toma a minha frente, disfarçadamente, bato na minha próprio testa. Quando noto, já está quase enfiada dentro do carro.

O diálogo das duas é como se já se conhecessem há muito tempo, mas é evidente que são de mundo completamente diferentes. Nelly tem quase vinte anos, mas as vezes parece estar no ensino médio.

-Já que sabem onde fica a minha casa, apareçam por lá amanhã as sete...-Diz, ajeitando seu óculos de sol e voltando a ligar o seu carro para cair fora.

Aceno com pouco entusiasmo, e só quando já está distante o suficiente, viro-me para Callie com as mãos na cintura.

-Fui convidada!-Diz, dando um pulinho.

Reviro os meus olhos, voltando para dentro de casa.

-Olha... eu ainda não consegui ler o diário da Adalyn West, mas prometo que vou te devolver amanhã sem falta.-Estranho o fato dela não ter comentado sobre o diário ainda. Será que a vovó tá viva?

-Ah...-Diz.-Acho que a vovó nem notou que sumiu, o que é bem estranho, ela sempre guardou aquela caixa tão bem, só então entendi o motivo.-Abre a caixa de pizza sobre a mesinha de centro e pega apenas uma azeitona.-Sei lá, vai ver esqueceu de vez, mas que é estranho, é...

*

No momento em que Callie vai embora, vou correndo até o meu carro para começar a ler, lá dentro mesmo, as memórias e sentimentos da mãe de Henri. Abro o porta-luvas e meto a mão lá dentro revirando tudo. Não encontro nada. Me inclino para ver, mas nem sinal do famigerado diário. Olho ao meu redor, mesmo sabendo que o meu carro esteve fechado o tempo todo e que, até onde eu sei, diários não se movem sozinhos. Forço a minha mente para tentar lembrar de ter deixado em outro lugar, mas não consigo. Bom, aqui temos mais um motivo para questionar a minha sanidade mental.

FrenesiOnde histórias criam vida. Descubra agora