Capítulo 15 - Decomposição

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~AVISO: possibilidade de gatilho.

*Informações retiradas do diário de Adalyn West:

"Já fazem sete meses que estou esperando o meu primeiro bebê. Será um menino, e se chamará Henri, o nome do meu pai, o qual não tive a oportunidade de conhecer. São grandes as chances de eu acabar com esse diário, pois se o Sean o encontrasse... eu não consigo nem imaginar. Escrevo pois sinto que não serei capaz de contar tudo em vida para alguém um dia. E se você lê, está sendo agraciado/a com a verdade, como infelizmente poucos serão.

A minha vida nunca foi fácil. Minha mãe teve de criar sozinha seus seis filhos, um de meus irmãos ficou doente e morreu. Depois disso, a minha mãe nunca mais foi a mesma e o demônio da depressão fez uma nova vítima (...) por falta de oportunidades numa cidade tão pequena de interior, fui embora para um lugar maior. Os homens me ofereciam dinheiro para passar as noites frias e solitárias com eles, foi a forma que encontrei para sobreviver; uma menina jovem e ingênua de interior. Fui roubada e enganada muitas vezes, e continuei vivendo pelas ruas por um bom tempo. Drogas também faziam parte do meu cotidiano.
Quando Sean me encontrou, eu estava ferida. Alguém tinha roubado minha heroína, meu dinheiro e me dado um soco no rosto na frente do estacionamento de um hospital, quando estendeu a mão para mim... aquele foi o primeiro ato de bondade que havia presenciado na minha vida até então. Me levou para sua casa e cuidou de mim.
Com o tempo, muito pouco tempo, eu estava apaixonada. Eu era muito ingênua para notar as suas mudanças repentinas de comportamento quando bebia: exigia sexo muitas vezes, e se mostrava furioso quando eu reagia, não muito diferente dos homens que conheci na rua, mas a diferença era que este tinha seus momentos de bondade, o que para mim era mais do que suficiente (...).
O nosso casamento foi uma cerimônia chique e que eu jamais imaginei que teria, passei a ter o seu sobrenome e a ser alguém, aos olhos da sociedade.
As tardes e as vezes até noites eram longas, sozinha numa casa enorme, enquanto estava no trabalho. Por isso, contratou uma velha governanta. Sra. Sylvie está conosco por uns cinco anos, ela tem sido a mãe que não tive. Seu filho e nora, que também estão esperando um bebê, são nossos vizinhos hippies, nas poucas vezes em que os vejo são muito gentís, mas na maior parte do tempo vivem viajando.
Quando Sean está bêbado, ele me "usa". E depois disso, A Sra. Sylvie sempre está por perto para enxugar as minhas lagrimas, eu não confio em ninguém além dela.

(...)

Apesar de tudo, me sinto feliz! Henri nasceu numa madrugada de quarta para quinta, totalmente saudável, numa cesariana. Um lindo bebê. Enquanto eu me recupero, Sra. Sylvie cuida do meu filho. Sean está estressado. Ele bebe e fica, durante longos minutos me observando parado na porta do quarto, ou andando e murmurando coisas de um lado pra o outro. Finjo dormir, é assustador e eu tenho medo do que pode vir a acontecer. Nas noites em que ele sai, e que acredito que não seja para o trabalho por estar embreagado, sinto alívio. Posso finalmente dormir. Por sua culpa, já quebrei os pontos da cirurgia duas vezes e precisei que ele mesmo os refizesse. Eu disse que foi culpa minha para evitar mais transtornos.

(...)

Ontem, aniversário de um ano do meu filho, foi um dos dias mais aterrorizantes da minha vida. As manchas de sangue nessas páginas vão falar por mim.
A Sra. Sylvie está de folga. Somos só nós três nessa casa, eu, meu bebê e um monstro. Sean demonstrou comportamento estranho durante toda a tarde, usando de piadas ofensivas e me tocando sempre que estava por perto, os nossos amigos e convidados estavam claramente desconfortáveis. Bastou o último ir embora para a minha noite de pesadelos começar. Eu organizava a bagunça no nosso quintal quando me puxou pelos cabelos e me arrastou para dentro. Me chamava de vadia, entre outros nomes pejorativos, dizia que a minha única obrigação era lhe dar prazer, e que depois disso, eu poderia em fim voltar para a rua e morrer. Enquanto isso, o nosso filho chorava no carrinho.
Sean continuou a me arrastar, pegou uma garrafa e me acertou na cabeça, foi então que comecei a perder a consciência. Só o ouvi dizer que eu não servia para ele, e que fui esperta de engravidar, se não já estaria morta. Quando sumiu durante toda a noite, senti vontade de fugir para longe com o meu filho. Hoje está agindo como se nada tivesse acontecido antes, mas a minha cabeça ainda sangra.

(...)

Hoje, fazem três meses que não saio de casa. Na última vez, fui caminhar no jardim, mas Sean não gostou. Estou preocupada, o nosso filho não dorme por mais de uma hora sem acordar chorando com o barulho de um briga. A quantidade de objetos de vidro que temos reduziu drasticamente nos últimos meses, Sean os quebra propositalmente para nos assustar. Eu já não consigo mais ficar tranquila.
Lembro-me do meu bisavô, avô da minha mãe, que foi para a guerra e ficou perturbado; Ele não podia ouvir qualquer barulho repentino que se assustava como se fosse uma bomba que o mataria, é assim que estou vivendo, e Henri também. O toque da campainha, os passos de alguém, o telefone tocando, uma porta sendo fechada, tudo me faz querer correr para proteger o meu filho.
Eu não sei o que será de nós. Peço para a Sra. Sylvie levá-lo para passear do lado de fora quando sei que toda a ira de um dia cheio de alguém será usada contra mim. Sean me obriga a ficar em silêncio, como quando quebrou uma de minhas costelas porque falei sem a sua permissão.

(...)

Henri fez cinco anos na semana passada, ele é tão inteligente, tão lindo... é o único motivo que tenho para continuar.
É triste que tenha tanto medo do pai. Sean uma vez surtou e jogou toda a mesa do jantar no chão porque o Henri não conseguiu lhe trazer uma cerveja. Ele ficou fora de si tão de repente que tive certeza de que algo de muito trágico aconteceria. Henri tinha dois anos de idade. Esse foi um dos muitos motivos que o meu filho tem para ter medo do monstro que o pai é.

Quando não o satisfaço, ele me joga no porão que fica dentro da antiga dispensa, onde estou nesse exato momento. É quente e úmido, com a luz de uma vela posso ver ratos passarem diante dos meus olhos e roubarem a minha comida, que fica num comedouro para animais de estimação. Tudo o que posso fazer é registrar tudo isso aqui, porque algo de muito ruim provavelmente vai acontecer comigo... Eu tenho muito medo, não pela minha vida, que sempre foi condenada, mas pelo meu filho. Espero que Henri possa encontrar a felicidade um dia, eu estou disposta a morrer por isso.

(...)

Eu não aguento mais. Uma das minhas retinas foi comprometida por conta de um soco que me deu, tenho queimaduras no meu corpo e couro cabeludo, já não ando mais sem mancar, e acabei sofrendo por volta de dez abortos espontâneos nos últimos anos, entre outras coisas que não vou poder citar, pois ele pode aparecer a qualquer momento e roubar a única forma que encontrei para me expressar por completo. Eu já não tenho mais medo por mim, não me importo comigo, mas pelo meu filho, eu perderei o movimento de mais alguns dedos.

Na semana passada, Sean espancou o Henri mais uma vez, eu ouvi tudo de dentro do porão. Bati tanto na porta que minhas mãos ficaram sangrando, perdi a minha voz de tanto gritar. Sylvie é mesmo uma pessoa abençoada, eu a ouvi enfrentá-lo e dizer que o faria apodrecer na cadeia se encostasse no menino mais uma vez. Tenho mais uma preocupação, Sean com certeza encontrará um jeito de se livrar dela em breve.
Aí eu não sei o que será do meu filho, ele ainda vai fazer oito anos...

(...)

Cheguei a sair pela primeira vez depois de muito tempo ontem. Durante a madrugada, Sean me levou para longe, bem longe, para uma estrutura que parecia recém construída perto da beira de uma pista, algo como um galpão de depósito. Eu não fiquei confusa pois tinha certeza de que a minha morte seria naquele momento. Ele chorava, como as vezes fazia depois de me espancar. Lá dentro, uma cova aberta e outras fechadas de forma mal feita. Um grande barril com roupas femininas, um galão de gasolina. Hoje digo que nada vindo de Sean é capaz de me surpreender.
Eu já não queria morrer, tinha que deixar o meu filho seguro antes, eu tinha que mandar a Sra. Sylvie levá-lo para bem longe. Então Sean poderia fazer o que quisesse comigo.
Apontou um revolver para a minha cabeça e eu fechei os meus olhos, aceitando que a justiça não é para todos. Sean obviamente não me matou naquele momento. Disse que antes eu teria de voltar e convencer Henri de que eu estou indo embora.

Vou entregar esse diário para a velha Sylvie, para que o que for necessário seja feito, encontrarei uma forma de dizer ao meu filho que sempre o amarei, caso aconteça algo de ruim comigo, e vou fugir dessa casa durante a noite. Vou correr para bem longe e denunciá-lo, eu vou contar tudo para a polícia, tenho provas de suas agressões. Tenho rezado para conseguir chegar lá.
Sean conseguiu tirar muitas coisas de mim, mas ele não terá esse último prazer. É como poderei atingí-lo, mesmo estando em decomposição."

Adeus.

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