Capítulo 14 - Superfície

1.7K 209 116
                                    

A minha agonia da noite passada foi breve, eu só apaguei por um curto instante. Quando despertei, Callie estava me arrastando para fora da água, onde eu boiava como um cadáver. Quando saí, minha roupa estava literalmente verde como a água, só pude sentir nojo momentos depois. E acabei não indo para casa.
O fato é que isso não está mais dando certo. Nunca esteve, na verdade. Mas agora, mais do que nunca! Eu não posso ficar apagando por aí quando me sinto contrariado.

De manhã cedo, felizmente, minha mãe mandou um carro de aplicativo para me buscar. Meu celular já era, e vou ter que elaborar uma boa desculpa para eventualmente conseguir um novo.
Quando fui embora, Callie estava discutindo com a vó como duas crianças. Entrei no carro sem ao menos olhar para a casa, que agora, para mim, parece mil vezes mais assombrada.
Perdi todas as minhas energias na noite passada, foram muitos acontecimentos para processar, e mesmo tendo dormido bastante, ainda me sinto exausto. É como se eu ainda tivesse afundando naquela piscina imunda.

*

Tenho em mente que esse vai ser mais um domingo longo e igual aos outros milhares nos quais eu senti uma breve vontade de me atirar de um precipício, então fiz questão de vir trabalhar hoje, mesmo a minha mãe achando um absurdo. Em casa, felizmente a situação é a mesma, mas nem isso me impede de odiar esse dia.
O meu carro funcionou por um instante e eu já estava caindo fora de casa, como se tivesse certeza de que funcionaria para voltar. Ficou tanto tempo parado que está morrendo aos poucos.
As minhas tentativas de manter a mente ocupada falham, mas ainda assim insisto. As vezes sinto vontade de bater com a minha cabeça contra a parede, só para ver se consigo focar na dor ao invés de reprisar as cenas da noite passada... eu estive tão perto dele... o mistério naquele porão... a sua foto de quando criança... não cabe mais nada na minha mente.

Estou digitando as últimas letras do nome do filme da próxima sessão quando ouço batidas no vidro da porta.
Avisto Nelly, com um sorriso gigante, e seu namorado, que se limita apenas a acenar. Aceno de volta meio sem graça e então eles entram.

-O que rolou com o seu celular? eu te liguei algumas vezes, queriamos saber quando começará a próxima sessão!-Diz, debruçando-se no balcão como se tivesse exausta.

-Na verdade, é só ela quem quer saber. Eu acabo dormindo durante esses filmes.-Oliver prova ser o oposto de Seth mais uma vez.

Aponto para um painel atrás de mim para que veja os horários. Até onde sei, há um letreiro do lado de fora com essas informações, mas acho que ela não viu.

-Tive um pequeno acidente com água.-Digo, dando de ombros.

-Não acredito! Nunca imaginei que um dia fosse assistir "O Exorcista" num cinema!-Anima-se, batendo palmas e tentando nos contagiar com sua alegria, Oliver ergue as sobrancelhas.

-Bom, passamos ele umas doze vezes esse ano...-Comento.

-Aceitam cartão, não é? Tipo, quando o filme lançou nem existia...

Me limito a assentir.

Oliver de repente leva o seu celular até o ouvido e sai para o lado de fora, antendendo alguém. O que me faz questionar se fingiu para escapar da situação, ou se simplesmente estava no silencioso, como pessoas normais fazem quando vão ao cinema.

Fico a sós com Nelly. Um momento perfeito para abordá-la sobre o que tenho certeza de que vi na sua festa. Eu sinto que preciso fazer isso por Oliver ser tão legal comigo.
Ela está distraída tirando sua quinta guloseima da maquina velha.

-Eu vi... você estava beijando um cara naquele dia.-Deixo as palavras escaparem, ela meio que paralisa, ainda não vira para mim.-Você acha isso certo?

FrenesiOnde histórias criam vida. Descubra agora