Capítulo 29 - 18

1.3K 171 18
                                    

Quando se faz dezoito e se para pra pensar um pouco, podemos sentir um certo peso nas costas como nunca antes. A maioridade é a maior responsabilidade que podemos carregar, é o momento das nossas vidas em que nos força a fazer as escolhas que mais pareçam racionais, e digamos que eu nunca fui bom nisso. O acontecimento me parece mais um motivo para surtar do que para comemorar, isso porque eu não faço idéia do que quero fazer da vida. Passei o tempo em que deveria estar pensando nisso, planejando formas de ajudar o Henri e fantasiando o nosso próximo encontro.
Mas não o culpo, de forma alguma. E luto para não culpar a mim mesmo também. Quando nos tornamos adultos, temos que entender que nem sempre há um culpado.

Para pelo menos estarmos juntos nas últimas horas do meu dia, e longe de qualquer bagunça ou inconveniência, partimos no meu carro. A princípio, eu não sabia para onde estávamos indo. Ele dirigia. Desliguei o rádio do carro, pois falavam sobre ele. Ao chegarmos no hotel no qual estava hospedado, a TV do saguão também falava sobre ele. Todos lá olhavam para ele. E ele, só queria paz.
Corremos para o elevador, não pude deixar de perceber que estava um pouco aflito. Não consigo imaginar como é continuar sendo perseguido mesmo depois de ser inocentado, isso tudo é uma loucura.
Dentro do elevador, retira o capuz após apertar um dos botões e suspira.

-O que é que tá acontecendo?-Questiono.

Faz silêncio por um instante.

-Eu não quero falar sobre isso.-A cabine para no andar mais alto e a porta se abre.-Por favor.

-Desculpa.

Pudera, que pergunta boba eu fui fazer. É um caso muito controvérso, é claro que continuará recebendo atenção indesejada por um longo tempo, e isso é lamentável. Eu só me pergunto quem está pagando o hotel luxuoso, já que deixou a prisão recentemente.
As luzes do quarto acendem-se automaticamente quando entramos, após usar o cartão chave para abrir. A varanda é imensa, e acho até que perdemos ver a minha casa daqui. É um lugar silencioso, diferente do barulho lá fora. Bom... é disso que precisamos.
Porém, Henri não parece estar muito contente por estar aqui, mesmo sendo infinitamente melhor do que a prisão.

-A imprensa me cedeu o hotel.-Informa, pode ter notado que ainda estou confuso observando a cama que deve caber umas dez pessoas.-E uma caralhada de coisas... eu não vou aparecer na TV, não espontaneamente, se é isso o que querem.

Assinto imediatamente. Se eu não tivesse escolhido o pior momento para me afastar, não estaria totalmente alheio na situação e saberia lidar com delicadeza. Mas pelo pouco que estou sabendo, posso começar a ligar os pontos sem ter que perguntar para alguém uma outra hora.

-Então vamos esquecer isso...-Digo, sorrindo e sentando-me na cama king size imensa, ele permanece de pé e parece meio relutante. Posso dizer que, mesmo estando livre, só pareceu tranquilo por um único instante essa noite, no momento da minha "surpresa", e parecia estar fingindo.-O pesadelo acabou! finalmente podemos pensar em nós... e no que vamos fazer daqui pra frente.

-Tá bom.-Sussurra.

Não tem uma reação imediata, além de permanecer sério, então o meu sorriso se vai. E é então que a verdadeira "surpresa" da noite vem para mim. Caminha até o balcão de divisória do quarto onde fica um bar e serve um pouco além de uma dose de uísque num copo. Nunca o vi beber antes.
Eu não vou deixar isso acontecer. Não quero que se afunde na tristeza ao ponto de perder a sua personalidade e começar a se auto degradar. Não vou deixar que encontre a forma mais fácil de fingir que os seus problemas acabaram, sendo que assim pode acabar com si mesmo... não vou deixar, pois tenho feito isso e as consequências são devastadoras.

Rapidamente levanto-me e corro até lá para impedí-lo.

-Não faz isso. Por favor. Eu demorei para te ter de volta e não quero te perder de novo...-Digo, apanhando o copo antes mesmo dele, o afasto.

Não preciso me preocupar, não vai ficar puto. Está esgotado e não parece ter energia para lidar com ninguém.

-Como você acha que eu vou conseguir dormir hoje?-Questiona.

-Com certeza não vai ser dessa forma...

Suspira, levando suas mãos até o rosto e virando-se de costas.

-Você não imagina... não imagina como é ouvir todo mundo perguntar se eu não ouvia os gritos da minha mãe, se eu realmente pretendia matar o meu pai, ou porquê não denunciei antes... em todo lugar que eu vou! Eu tô de saco cheio dessa merda e vou mandar todo mundo ir se foder!-Tenta manter a calma, a medida que me aproximo cuidadosamente.

Eu jamais o julgaria por estar se sentindo do jeito que está, tem sido mais forte do que eu jamais conseguiria ser. Parar para pensar nisso me faz querer chorar... só de pensar, não consigo nem imaginar se tivesse presenciado como ele.

-Você não está sozinho... eu quero dividir essa dor com você.-Me aproximo um pouco mais, e quando decido tocar o seu ombro, afasta-se bruscamente e eu me encolho.

É então que lança uma das garrafas contra a parede, outra, e mais outra. Lança também uma cadeira, fazendo-a quebrar, os jarros e os quadros também não escapam da sua fúria.
Só então percebo que estou me afastando devagar, ainda encolhido. Por um instante, penso "eu não queria estar aqui." mas é exatamente aqui onde eu deveria estar. Eu ainda não o recuperei por completo, e não posso simplesmente abrir mão disso. Não tenho medo de acabar me agredindo, isso seria o que poderia fazer de menos doloroso contra mim. Tenho medo de perdê-lo... assim como sempre foi, e só então percebo.

Quando os objetos ao seu redor já estão em pedaços, decide parar e respira fundo, retornando ao balcão e apanhando o copo, que a propósito não foi estraçalhado. Bebe o líquido ardente como se fosse um gole de água, em seguida devolvendo o copo ao balcão.

-Essa dor não é nossa porque você nunca vai entender.-Diz, surpreendentemente calmo. Seus olhos marejados e confusos me encaram enquanto me aproximo.

Apanho a única garrafa que sobrou e derrubo uma dose do líquido no copo. Eu simplesmente odeio ingerir álcool de qualquer forma que seja, mas quero deixar claro que as reações das suas ações me atingirão também. E posso afirmar mais uma vez que farei de tudo para não perdê-lo... custe o que custar.

-Não importa. Se você quer se acabar, saiba que vai estar acabando comigo também.-Bebo sem ao menos pensar antes. Essa é a única forma de isso acontecer, agir sem pensar muito. Sinto o meu estômago queimar e uma breve vontade de vomitar, mas até que seguro a barra bem.

Largo o único copo inteiro no chão para que não tenha mais a chance de beber e caminho na sua direção alcançando a sua mão. Induzo-o comigo até a cama, onde deitamos. E dessa vez, espero que ainda esteja por perto quando eu acordar. Espero alguma palavra ou reação sua, mas os minutos passam e não tenho nenhuma, não tenho muita certeza se é por isso que continuo engolindo em seco.
Portanto, decido virar para ele e o abraçar forte. Mas... ao que parece, quanto mais forte, mais as minhas lágrimas caem, e já estou encharcando a sua camiseta.
Não consigo identificar o que sinto. Tristeza? não, estou com o Henri depois de tanto tempo. Angústia? talvez, mas já senti tanto que poderia identificar facilmente. Ódio? de quem? Amor? amor não nos faz chorar... a falta dele sim.
Depois de tanto tempo me dedicando a isso, ainda preciso trazer o Henri de volta... e nem sei se isso é possível. Tudo parece tão... demais para mim, portanto, as minhas lágrimas são por tanto pensar no que ainda está por vir. Fiz dezoito e passei as últimas horas do meu dia pensando em como fazer alguém parar de quebrar coisas. Um fardo muito mais pesado do que eu posso carregar.
Eu sei que eu nem deveria pensar nisso, mas toda essa situação me faz ficar confuso se realmente amo o Henri ou a causa perdida que ele é...

Me abraça de volta.

-Não faz mais aquilo...-Sussurra, como se não tivesse destruído um quarto de hotel inteiro minutos atrás.-Você já fez muito por mim.

FrenesiOnde histórias criam vida. Descubra agora