— É. Mais ou menos desse jeito — confirmei. — E eu também consigo conversar com ela sem precisar falar em voz alta.
Vanna ficou pensativa por um momento. — Então, se vocês dois estão aí, isso descarta a possibilidade de troca de corpos.
— Acho que sim — concordei, suspirando de frustração logo em seguida. — O que não é bom para mim, porque agora eu não faço a menor ideia de como encontrar meu corpo.
— Mas se ela retornou, não era para você voltar para o seu corpo?
— Eu esperava que sim... — Dei de ombros, sem conseguir esconder o desânimo com aquele desfecho. — Mas não conheço todas as regras sobre invasão de corpos. Acho que vou ter que ficar mais um tempo preso aqui.
— Talvez, para sempre.
— Vira essa boca pra lá, Vanna!
"E bate na madeira três vezes! Deus me livre!"
— Tá, mas você acabou de dizer que consegue falar com ela sem usar a voz? É tipo telepatia?
— É. Acho que pode ser chamado de telepatia.
— Telepatia para falar com alguém dentro de você mesmo? — murmurou ela, franzindo o cenho. — Isso é esquisito.
— Pois é. Esquisitice me define. — E apontei para frente. — É melhor voltarmos a andar ou vamos nos atrasar.
— Você está querendo me enrolar — insinuou Vanna, me olhando de esgueira.
"Peraí! Ela não está acreditando?!?"
'Acho que não.'
— Não tô mentindo — reforcei, procurando convencê-la. — Tainara está aqui. — E apontei para minha própria cabeça.
— Então prova!
— Qual é, Vanna? Como você quer que eu te prove isso?
"Eu sei como!" — manifestou-se Tainara. — "Eu vou te falar uma coisa sobre ela que só eu sei. Algo que não teria como você saber. Aí você repete pra ela. Será uma prova definitiva de que eu estou mesmo aqui!"
— Perfeito! — Meu elogio foi sincero. — Ótima ideia.
— Ótima ideia do que? — perguntou Vanna.
— Ah, não é com você — Balancei a cabeça após meu engano ao responder em voz alta para a dona do corpo. Um deslize que eu esperava não se tornar frequente. — Eu estava falando com a Tainara.
— Hmm... sei... — fez ela, parecendo ainda duvidosa.
— Ela vai me dizer uma coisa sobre você que apenas ela poderia saber. Algo que não teria como eu saber. E isso será uma prova de que ela está aqui.
— Bem pensado — observou nossa amiga.
"A Vanna tem um sinal no bumbum. Um sinalzinho em forma de gota na nádega direita.
Eita...! E não é na direita, é na esquerda... eu me lembro.
"Não, não" — Tainara voltou a falar rapidamente, se corrigindo: — "Não é na direita, é na nádega esquerda."
'Não! Outra coisa. Me conta outra coisa para eu dizer'.
"Pode falar deste sinal!" — insistiu Tainara. — "Não teria como você saber! E ela vai acreditar que sou eu quem está aqui."
'Eu acho que... seria melhor perguntar outra coisa, por favor...' — pedi, esfregando o pescoço, me sentindo um pouco desconfortável.
"Tá. Deixa eu ver... — Passou-se mais alguns segundos, até que: — "Ela tem uma pinta no seio esquerdo também. Perto do mamilo. E é por isso que ela adora usar o biquini amarelo dela, que é bem pequeno na parte de cima e acaba deixando essa pinta aparecendo." — Mas desta vez, ela acrescentou: — "E deixa de onda, seu bobo. Isso não vai deixá-la envergonhada."
'Tainara, por favor...'
"Isso é uma coisa que não teria como você saber, pois nunca viu ela com aquele biquini. É a melhor maneira de provar que sou eu aqui!"
Ai, eu não acredito...!
'Outra pergunta. Essa também não.'
"Vai! diz logo pra ela, Miguel!"
"Não. Outra pergunta' — insisti.
— Vão demorar muito ainda? — perguntou Vanna, já impaciente. E começando a ter certeza de que eu estava mentindo.
— Calma. Ela tá pensando.
"Não! Eu não estou pensando! Você que é um besta e não quer perguntar pra ela!"
— Deixa pra lá. Já sei que é uma mentira sua — acusou Vanna, começando a caminhar novamente, nos dando as costas.
"Ah, droga! Você vai estragar tudo e ela não vai acreditar que eu estou aqui! Se eu perder minha amiga, eu te mato!!"
'Uma coisa sobre a infância de vocês' — sugeri à Tainara.
"Da infância...? Boa ideia!" — exultou ela. — "Diz pra ela sobre uma vez na primeira série em que nós duas cabulamos a aula, entramos escondidas na cozinha e comemos o cachorro quente do lanche, aí a Vanna deixou cair o ioiô dela dentro da panela de molho!
'Essa é boa' — concordei, passando a olhar para a sua cúmplice de traquinagens, que começava a se afastar, contrariada. Acelerando o passo, a alcancei. — Teve uma vez na primeira série em que vocês cabularam a aula, entraram na cozinha e comeram cachorro quente. Aí você deixou cair seu ioiô dentro da panela de molho.
E ao ouvir o breve relato, ela se virou para mim, abriu um grande sorriso e me abraçou, tendo agora certeza que sua melhor amiga estava ali dentro comigo. — Ela está aí mesmo!!
— Sim, ela está.
— E a Tai consegue me ouvir? — perguntou Vanna em seguida, desfazendo o abraço enquanto me fitava com um olhar de apreensão.
— Tudo que ouço ela ouve também, já que usamos os mesmos ouvidos. Ela só não consegue falar. Por isso, eu terei que ser o porta-voz dela.
— Então é verdade! Ela está aí dentro!
O abraço se repetiu novamente, mas desta vez, mais forte e demorado. E Vanna permaneceu com um sorriso radiante no rosto durante o trajeto até o colégio.
Um sorriso que apenas aumentou quando recebemos a melhor notícia do dia, que nos impediu de entrarmos no colégio.
Ele estava fechado.
Não teríamos aula.
Pelo menos, por um dia.
E eu nem lembro do que estava escrito no aviso colado no portão. Fiquei focado apenas na informação mais importante:
Não teríamos aula naquele dia.
E o jeito foi voltar para casa.
É. A sorte parecia estar começando a sorrir para mim.
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Consciência Viajante
Roman pour Adolescents(Classificação +14) Ele despertou na beirada de um prédio, prestes a cair. E após enfrentar momentos de tensão para impedir uma queda fatal, acabou descobrindo que acordar naquela situação aflitiva não era o maior de seus problemas. Logo se deu cont...