Saímos correndo, cada uma em direção a sua sala, enquanto o sinal ainda ecoava dando início a aula. E teríamos uma prova ferrada de Matemática logo de cara, daquelas de escorrer o cérebro pelo nariz. E para última aula, teríamos que fazer uma redação sobre a política externa americana durante o período colonial do século XVI e seus efeitos na agropecuária boliviana.
E assim começamos a temida primeira aula, com a prova mortal de Matemática deixando claro que o diretor deveria manter uma ambulância de prontidão na porta da sala, para facilitar quando os alunos começassem a infartar.
— Ah, meu Deus... — murmurou Vanna logo após receber as folhas da prova, enquanto dava uma olhada básica nas questões e levava as mãos à cabeça. — Bem que o Einstein podia invadir o meu corpo hoje e se juntar comigo pra resolver isso...
Mas não apareceu ninguém para acudir nossa amiga. Nenhuma mente genial se achegou a ela.
Mesmo assim, Vanna deu o seu melhor. E isso geralmente era suficiente para salvar suas notas.
As aulas transcorreram normalmente e eu estava confiante em duas notas boas naquele dia, o que nos daria uma ótima média.
Porém, apesar de estar em uma boa relação com Tai e do otimismo com as notas do dia, eu não estava realmente em paz.
E o motivo disso eu não conseguiria explicar direito. Era como uma sensação de incômodo que decidiu me acompanhar naquele dia. Uma angústia estranha, mas sem razão aparente.
E eu me lembrava muito bem do que aconteceu há pouco tempo atrás quando sofri com uma sensação semelhante, embora eu não tenha tido nenhum pesadelo desta vez.
Mas não há de ser nada. Pensamentos ruins já me acompanhavam desde sempre e eu não podia ficar cismando que eles sempre seriam premonições de tragédias.
Minha mente já tinha problemas demais.
"Você está esquisito hoje" — disse Tai após o fim da última aula, me tirando dos meus devaneios enquanto nos aproximávamos do portão.
— Hã? Esquisito?
— Esquisito é o seu nariz, ô folgada! — exclamou um aluno que passava bem ao meu lado no momento em que falei. E pelo fato e eu cometer o deslize de falar em voz alta, ele pensou que eu o chamei de esquisito, já que eu aparentava estar sozinha.
— Ei, Eu não te chamei de esquisito, não — tentei explicar, mas logo achei melhor acrescentar um pedido de desculpas. — Foi mal. Desculpa aí. Eu só pensei alto.
Mas ele continuou andando em passo acelerado e fez que nem me ouviu.
"Grosso!" — Tai o xingou.
'Deixa isso pra lá' — pedi a ela, ao mesmo tempo em que olhava para trás por um segundo, a ponto de ver nossa amiga Vanna se aproximando em passo acelerado para nos alcançar.
"Mas o esquisito aqui hoje é você, Miguel" — insistiu Tai. — "Você está tentando disfarçar, mas está bem aéreo hoje. O que houve?"
'Não houve nada.'
— Ei, Miguel, tá indo pra roça, é? — exclamou Vanna em tom de brincadeira, quando chegou ao meu lado na saída do colégio. — Quase que eu não te alcanço!
— Tô andando normal, ué — afirmei, embora tenha sido obrigado a diminuir o ritmo da caminhada. — Você que tá lerda.
— E o que que tá rolando, Miguel? — prosseguiu ela. — Por que você tá tão esquisito hoje?
— Ei! Vocês duas querem parar com isso?
"Está vendo? Até ela percebeu!"
— Nós duas? Ah, então a Tai já notou também? — Vanna aproveitou para me alfinetar.
— Vocês estão paranoicas! — deixei escapar, num grito, embora minha reclamação devesse ser endereçada apenas a Tai.
Duas garotas que passavam ao meu lado naquele exato momento olharam feio para mim, mas acabaram ignorando o meu novo deslize e continuaram andando sem dizer nada.
— Eu notei que você está diferente desde a hora do café da manhã — argumentou Vanna. — E durante o caminho para o colégio, isso ficou mais claro. Você está tentando disfarçar, mas está distraído demais. Tem alguma coisa te perturbando. Agora desembucha. O que é?
— Tem, algo me perturbando, sim! Tem duas pessoas me perturbando! — reclamei, parando de caminhar, já que havíamos chegado no local onde sempre esperávamos Thiago.
"Ô, Miguel, a gente só quer ajudar" — vitimizou-se Tai.
— Ô, Miguel, a gente só quer ajudar — soltou Vanna, quase ao mesmo tempo.
Encarei Vanna por alguns segundos, logo após ela repetir exatamente a mesma frase de Tai. — Eu não sei como vocês duas fazem isso, mas é combinado, só pode! — acusei. — Não é possível falarem a mesma coisa assim.
E as duas riram, se divertindo com a revelação daquela sincronia de amigas.
Olhando na direção do portão, vi Thiago se aproximando, abrindo um sorriso enquanto acelerava o passo para chegar até nós, onde foi recebido por mim com um abraço.
— Se atrasou, heim, artilheiro? — brinquei.
— Não me atrasei nada — protestou ele. — É você que tá andando rápido demais. De manhã também. — E completou com a pérola: — E por que você tá tão esquisita hoje, mana?
— Ah, não...! Até tu, Thiago?
Tai e Vanna acabaram rindo.
"3 a 1, Miguel. Você perdeu. Agora, desembucha."
— Não é nada demais — respondi, num tom mais alto, incomodado. — Agora, fiquem em silêncio e vamos pra casa.
Mas sem me dar conta, comecei a acelerar o passo de novo. E meus olhos se mantinham atentos ao lado direito da rua.
O mesmo lado onde, um pouco mais adiante, se localizava a marquise de loja onde morava o nosso amigo, o senhor Douglas.
E Tai percebeu.
"Você sonhou de novo, não foi?"
Não dava mais para esconder.
'Não sonhei. Mas estou com uma sensação ruim parecida com aquela vez' — acabei confessando.
"Então acelera!" — ordenou ela.
Nossa sala havia se atrasado para sair devido à demora em terminar a redação na última aula. A professora só nos liberou quando todos a entregaram. Portanto, mesmo com o passo bem acelerado, quase todo o colégio já tinha uma grande vantagem sobre nós, ocupando as calçadas à nossa frente como uma pequena multidão uniformizada.
— Ei, por que você está correndo? — perguntou Vanna sem entender. Mesmo assim, ela me acompanhou, quase tendo que arrastar Thiago junto pela mão.
— Só quero chegar cedo em casa — menti, não querendo preocupar mais pessoas, até porque, aquela minha sensação angustiante poderia não significar nada.
Ou poderia significar algo.
Droga...!
Mas meu coração foi se tranquilizando na medida em que nos aproximávamos da casa do senhor Douglas. E o sentimento de alívio aumentou quando ele nos reconheceu entre a multidão de alunos e acenou do seu lugar habitual, apesar da distância ainda considerável.
Acenei de volta e diminuí o ritmo das passadas, tendo a certeza que estava tudo bem.
Aquela sensação ruim não passava de um alerta falso.
Ufa...!
Mas, então, tudo aconteceu muito rápido.
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Consciência Viajante
Roman pour Adolescents(Classificação +14) Ele despertou na beirada de um prédio, prestes a cair. E após enfrentar momentos de tensão para impedir uma queda fatal, acabou descobrindo que acordar naquela situação aflitiva não era o maior de seus problemas. Logo se deu cont...