Capítulo 22 - Cocada ( Miguel )

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Dia seguinte. (E hoje, ninguém escapou. Teve aula...)


Era a terceira aula e eu estava tentando me concentrar.

Ênfase no tentando.

Porque não era uma tarefa fácil conseguir um mínimo de concentração quando você tinha alguém perturbando sua mente com lamentos sucessivos.

Mas eu tinha de admitir que suas reclamações eram até justificáveis. Porque não devia ser nada fácil ir para a escola com um garoto estranho compartilhando sua mente e dominando todo o seu corpo. E para completar, na fatídica terceira aula, a professora decidiu fazer uma pequena prova surpresa de Física.

Matéria na qual ela precisava desesperadamente de uma nota acima de 8 para manter a cor azul no boletim no próximo bimestre.

"Eu tô ferrada...! Eu tô ferrada! Eu vou tirar um zerooo!!!"

'Calma' — pedi, enquanto continuava debruçado sobre o caderno, rabiscando os números, tentando seguir uma linha lógica de raciocínio para prosseguir com a conta.

"Como assim, calma?!?" — reclamou ela, se desesperando.

'Só relaxa.'

"Relaxar como? Você diz isso porque não é você quem vai tirar um zero! O zero vai pra mim! Para o meu nome! Meu Deus! Por que você teve que aparecer na minha vida?? Você roubou o meu corpo e sou eu quem vai pagar por isso!!

'Não roubei nada.'

"Quem vi se ferrar sou eu...!" — prosseguiu ela com sua voz chorosa. — "Se não tivesse aparecido pra infernizar minha vida, eu teria tempo para estudar! Mas você decidiu aparecer e roubar o meu..." — E apenas naquele momento ela pareceu se dar conta de que eu estava fazendo algo mais produtivo ao invés de reclamar da nossa situação. — "O que você está fazendo?"

'O que está parecendo? Eu estou resolvendo esta questão da prova de física.'

"E... é essa a fórmula?" — questionou ela, curiosa.

'É.'

Seguiu-se um breve momento de silêncio enquanto ela acompanhava o movimento do lápis na minha mão direita, que deixava a marca de seu grafite em forma de números sobre o papel na medida em que eu resolvia a conta, linha após linha.

"Você sabe mesmo resolver isso?"

'O que acha?' — questionei, enquanto passava para a questão seguinte, após terminar a anterior, já encontrando mais facilidade em me concentrar após cessar seu barulhento martírio dentro da minha cabeça. — 'Aliás, obrigado por parar de ficar se lamentando. Agora tenta me acompanhar, talvez você aprenda algo.

Para minha grande surpresa, ela não retrucou e realmente se limitou a apenas me acompanhar durante a resolução das questões seguintes. E em silêncio.

Ou quase.

"Essas contas estão certas...?" — acabou perguntando de novo, desconfiada.

'Não confia em mim?'

"Não!"

Sabendo que ela ainda não estava muito convencida das minhas habilidades de cálculos, mantive os olhos na página onde uma das contas fora desenvolvida, permitindo que ela a conferisse de maneira detalhada em todas as linhas, explicando-lhe cada número, cada sinal, cada ponto, até chegar no resultado final.

Depois, passei para a seguinte.

"Por que você não me disse que sabia resolver isso?"

'Porque você não me perguntou. Estava ocupada demais me acusando de ter roubado seu corpo e reclamando que iria tirar um zero nessa prova surpresa.'

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