A multidão de curiosos já havia se dispersado bastante, o que tornou nossa saída mais tranquila. E como eu segui caminhando com os olhos voltados para baixo, ignorei qualquer olhar direcionado a mim.
Por algum motivo, apesar do pânico pela situação toda, lá no fundo eu ainda conseguia manter uma espécie de calma em meio ao caos, o que era importante, pois me permitiria avaliar a situação com sensatez. Acima de tudo, eu precisava saber em quem poderia confiar até entender o que aconteceu comigo.
OK. Eu estava voltando para casa agora. A casa da Tainara. Um lugar teoricamente seguro.
Já era um começo.
Após cruzarmos várias alas do shopping, fomos até o fliperama para encontrarmos o meu irmão, que já se mostrava ansioso nos esperando. Mesmo assim, permaneceu sentadinho obedientemente numa cadeira perto das máquinas de pinball. E ainda segurava no colo, com um cuidado até excessivo, uma bolsa de mulher, que deveria ser a da sua irmã Tainara.
Thiago era um garotinho que não devia ter mais do que seis anos. E logo que me viu, correu para me abraçar, com seus olhinhos ainda úmidos do choro recente. Ficou um longo tempo colado em mim, até eu finalmente conseguir me desvencilhar do seu abraço. E a partir daquele momento, após me devolver a bolsa, segurou minha mão, decidido a não largar mais.
Pelo menos, até ele mesmo se obrigar a largá-la após ver um saco de papel que um cara folgado havia jogado no chão ao passar por nós. Após balançar a cabeça e fazer um discurso com meia dúzia de palavras, dizendo o quanto aquela atitude foi boba e feia, ele juntou o papel sobre o piso branco como um bom cidadãozinho exemplar e olhou para nós, buscando aprovação pela sua atitude tão adulta.
Então, após receber nossos merecidos elogios, ele seguiu até as lixeiras mais próximas, ficando parado e coçando a cabeça diante delas, na dúvida em qual daquelas caixas coloridas deveria ser colocado aquele pedaço de papel pardo que segurava. A cena me fez sorrir.
Foi quando tive a ideia imbecil de pegar a sacola das mãos dele e rasgar dois olhos num dos lados do papel, além de uma terceira abertura para a boca, improvisando assim uma máscara ridícula. Para completar, a coloquei sobre sua cabeça, imaginando que ele logo tiraria aquilo fazendo uma birra infantil.
Mas para minha surpresa, ao ser coroado com o rústico capacete de papel, ele se sentiu imediatamente um nobre e poderoso super-herói mascarado. E, estufando o peito, passou a andar na nossa frente, ocupado agora em combater os inimigos com socos e chutes no ar, arrancando risadas não apenas de nós, mas de todas as pessoas que passavam por ele.
E as risadas apenas serviram de estímulo, fazendo-o lutar com mais empenho naquela sua batalha imaginária.
Enfim, ele era extremamente fofo.
Não demorou para que saíssemos do interior daquele shopping, chegando do lado de fora. E deixei minha amiga nos conduzir, já que eu não fazia ideia de onde morava.
E eu daria tudo para ir embora dentro de um carro, evitando andar na rua com uma roupa dessas.
No entanto, não pegamos um táxi, apesar de eu avistar vários deles estacionados na frente do shopping. E, da mesma forma, não aceitamos nenhuma carona quando algumas nos foram oferecidas.
Porém, no fim das contas achei prudente evitarmos as caronas. Mesmo com algumas delas sendo oferecidas por pessoas que claramente conheciam Geovanna e Tainara, não me senti seguro em aceitar na minha atual condição. E o motivo mais forte disso foi o fato de que apenas os rapazes se prontificavam em nos conceder aquela boa ação, me fazendo ter a impressão de que tais convites foram feitos exatamente por causa da vestimenta que eu usava.
Ou pela falta dela.
E passei a compreender melhor os temores de uma garota.
Mas logo me dei conta de que, provavelmente, eu morava ali perto, e neste caso, a curta distância descartaria a necessidade de um carro para nos levar.
Ou seja, para meu desespero, fomos caminhando a pé.
Meu maninho Thiago ia na nossa frente, mas próximo de nós, abrindo caminho como um bom herói defendendo sua irmã e a amiga dela dos monstros de faz de conta que infestavam a calçada.
E acho que passei a amar aquele pequeno pedacinho de gente que eu ainda nem conhecia...
Ventava um pouco. Então, além do constrangimento por estar usando uma roupa curtíssima que atraía olhares cobiçosos de todos os lados, eu tinha que segurar de maneira bem firme a barra daquele vestido com as duas mãos, eliminando qualquer possibilidade de que ele se erguesse com o vento.
Porque eu experimentava aquela sensação desconcertante de não estar usando nada por baixo.
E meu rosto parecia que iria pegar fogo.
Mas Geovanna caminhava bem ao meu lado, e por vezes, um de seus braços me envolvia de modo protetor enquanto fuzilava com seu olhar assassino os sujeitos mais ousados que me dirigissem uma atenção excessiva. E isso me transmitia a sensação de segurança que eu precisava para seguir caminhando.
Ou seja, junto ao pequeno guerreiro de capacete de papel que nos escoltava para casa, ela também contribuía, me fazendo seguir com uma proteção dupla.
— Não podemos falar para os meus pais o que aconteceu, tá bom? — alertei. Parecia o mais sensato a fazer. Pelo menos, por enquanto.
— Claro que não vamos contar. Eles nem desconfiarão do que aconteceu lá. Deixa comigo.
— Então... não seria bom a gente bolar alguma coisa para não haver divergência entre nossas versões? Sem contar ele — indiquei Thiago com um movimento do queixo —, que talvez, abra a boca sem querer.
— Não. O Thiago nunca conta nada — disse ela. — Parece que nem conhece o irmão que tem. — Em seguida, Geovanna soltou uma risada quando o garoto caiu de traseiro no chão após errar um de seus golpes, que certamente foi defendido por um dos terríveis monstros da calçada — Mas está certa, é melhor garantir isso. Ei, Thiago! — Após ser chamado, o garoto se levantou e deu uma pausa em sua batalha incessante, se voltando para nós. E enquanto se aproximava, dava tapas na própria bunda para se livrar da poeira acumulada em decorrência de sua queda durante a luta. Geovanna, então, fez o pedido: — Você não deve falar nada em casa sobre o grito da mana, tá? Ela só deu uma topada com o dedão. Mas não fala nada porque ela vai ficar com vergonha.
— Tá bom. Eu não conto nada — respondeu ele, enfático.
— Lindão. — E após ganhar um beijo no rosto sobre seu capacete de guerra, ele voltou saltitante para seu posto à nossa frente, dando continuidade à sua luta contra as forças do mal.
— Resolvido — disse ela, se virando para mim. — Agora seu segredo estará seguro.
— E nós não devíamos elaborar uma versão alternativa para o que aconteceu? — insisti.
— Não precisa.
— Eu vou aparecer com esse vestido que eu não usava quando saí... — lembrei a ela.
— Não se preocupe — Geovanna minimizou o problema. — Eu sempre defendi que a improvisação é a melhor maneira de contar uma mentira. Espontaneidade sempre convence mais do que mentiras programadas. Então, se precisar, deixa que eu falo.
Aquele argumento não fez muito sentido pra mim, mas... ela devia saber o que estava fazendo.
— Mas relaxa. Eles nem vão perguntar nada.
— Tomara.
— Mas quando a gente chegar na sua casa, você vai me falar o que realmente aconteceu, tá bom? Porque sei que está escondendo alguma coisa — complementou ela a seguir. — Afinal de contas, eu sou sua melhor amiga pra quê?
É... parece que a desculpa da topada não convenceu ela...
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Consciência Viajante
Fiksi Remaja(Classificação +14) Ele despertou na beirada de um prédio, prestes a cair. E após enfrentar momentos de tensão para impedir uma queda fatal, acabou descobrindo que acordar naquela situação aflitiva não era o maior de seus problemas. Logo se deu cont...