Capítulo 36 - Presente ( Tainara )

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Ao fim do treino, mais uma vez tive dificuldades para conter a euforia do meu irmãozinho, que escapou de nós e seguiu correndo na frente para chegar primeiro até seu amigo, que já o esperava como nos dias anteriores.

Quando o alcançamos, ele já havia começado a jogar com sua bola, chutando para vencer o não tão esforçado goleiro, que como sempre, facilitava para ser vazado, apenas para ver o garoto vibrar com cada gol marcado.

Logo também participamos da brincadeira, com Vanna fazendo vergonha outra vez, com seus chutes tortos e sem direção.

Até que o grande momento chegou, quando encerramos este segundo treino e decidimos ir embora. O senhor Douglas trouxe a bola e a devolveu para o menino, o elogiando:

— Está melhor a cada dia, heim, Thiago? E acho que é por causa desta sua bola. Ela é muito boa! Obrigado por deixar eu brincar com ela também. Mas cuida bem dela!

Com um sorriso no roto, Thiago olhou para mim com uma expressão marota, antes de voltar novamente a atenção para seu amigo, estendendo as mãos à frente enquanto segurava a bola

— É para você. É um presente.

— O que...? — O homem ficou confuso, o olhar perdido na direção da bola. Virou-se para mim na intenção de perguntar o que estava acontecendo, mas eu apenas assenti em resposta ao mesmo tempo em que sorria, deixando claro que aquilo era exatamente o que parecia: o menino o estava presenteando com a bola.

— Eu... eu não posso aceitar isso, Thiago — declinou ele, balançando a cabeça, ainda incrédulo. — Esta sua bola é nova! Eu não posso aceitar.

— Por favor. Eu quero que fique com o senhor — insistiu a criança. — A sua bola está toda feia. Quero que fique com essa.

— E ele vai ficar triste se não aceitar — Miguel avisou ao Goleiro Velhinho. — E nossos pais sabem disso, não se preocupe. Eles também ficariam contentes se aceitasse.

Ficando sem saída, aquele homem não teve escolha, a não ser aceitar o presente, recebendo a bola das mãos do menino. E, com os olhos rasos d'água, ele ficou sem reação, olhando para os lados enquanto as lágrimas desciam pelo seu rosto.

Então, meu pequeno maninho se aproximou um pouco mais e abriu os braços, um gesto que foi imediatamente compreendido e aceito. E um forte abraço foi trocado entre eles.

— Obrigado, garoto — eu o ouvi sussurrar, com palavras cheias de gratidão enquanto as lágrimas escorriam dos seus olhos fechados.

— Mas o senhor precisa comer mais devagar para não afogar — disse Thiago após o abraço, dando o conselho com um olhar preocupado. — Mamãe sempre diz que não devemos comer muito ligeiro.

— Ah, sim. Pois é. Sua mamãe tem razão — respondeu o senhor Douglas, ficando sem graça após aquela chamada de atenção tão fofa. — Prometo que vou me cuidar mais.

— Tá bom — Sorriu o menino, satisfeito em ouvir a promessa de seu amigo.

Quando o caloroso abraço se desfez, o homem pareceu ter uma súbita lembrança e correu até seus limitados pertences, começando a procurar por alguma coisa. Segundos depois, voltou com um pequeno bonequinho articulado nas mãos.

Era um exemplar dos clássicos Comandos em Ação, um soldadinho com roupa camuflada, congelado na posição em que apontava o fuzil para o inimigo. O pequeno brinquedo, apesar de velho, estava em boas condições, bem cuidado. E parecia ser uma espécie de tesouro pessoal, como uma relíquia da infância que ele mantinha sempre guardada consigo, carregado de lembranças.

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