Capítulo 34 - Heimlich ( Miguel )

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Um mal pressentimento me perseguiu no dia seguinte.

Desde o momento em que acordei, passando pelo café da manhã, pelo caminho para a colégio, até a entrada na sala, cada segundo daquele dia foi pontuado por uma sensação desconfortante de que algo ruim aconteceria.

Durante as aulas, acabei tendo muitas dificuldades em me concentrar, numa consequência direta daquela intuição sombria.

"O que houve, Miguel" — perguntou Tai, percebendo que algo estava me incomodando. — "Você está meio estranho. Está quieto demais. Minhas costas estão até doendo de tão tensas."

'Eu... sei lá' — suspirei. — 'É como um peso aqui no meu peito que eu não consigo tirar.'

"Peso? Mas eu não estou sentindo nada assim" — afirmou ela. — "Será que não foi algo que a gente comeu?"

'Acho que não. Se fosse algo físico, você estaria sentindo também. Então, é comigo.'

"E você está me escondendo algo" — acusou ela, para em seguida, acrescentar: — E eu já estou começando a sacar você. Já estou aprendendo a ler esse seu jeito. Tem alguma coisa que você não me falou sobre essa sua intuição ruim. Fala logo. O que é?"

Fiquei um pouco relutante em lhe contar, mas acho que não adiantaria esconder dela. Então:

'Eu tive um pesadelo."

"Ahá! Eu sabia que estava certa!" — vangloriou-se ela. — "Agora desembucha logo e me conta. Como foi esse pesadelo?"

'Tá, eu conto, mas primeiro presta bem atenção nesta parte porque eu não estou conseguindo guardar nada na cabeça hoje.'

O professor de História havia anunciado que iria entrar mais a fundo no assunto estudado, e isso sempre significava que viria uma explicação cabulosa a seguir.

E de fato, ele começou uma infindável dissertação sobre a história política brasileira no período pós república, citando um monte de nomes complicados, seus pontos de vistas e blá blá blá...

Enquanto Tai se concentrava na explicação do professor, eu fazia as anotações no caderno de acordo com o que ela me relatava. Era um trabalho em conjunto que já se tornava rotineiro entre nós. De um modo geral, ela se dedicava às matérias mais de humanas e eu ficava responsável por salvar nossa pele nas de exatas.

E formávamos uma boa dupla, com esse sucesso sendo comprovado nas nossas notas, que começaram a subir de maneira vertiginosa, o que fazia algumas pessoas acreditarem que estávamos colando nas provas.

O que era uma acusação absurda!

Ou nem tanto... se levar em conta que ela sempre tinha ajuda. Minha ajuda.

Mas assim que a explicação acabou e já tínhamos os principais pontos anotados, Tai voltou a me questionar:

"Agora me fala. Como foi seu pesadelo. Com quem você sonhou?"

'Eu não sei quem era' — comecei dizendo. — 'Mas eu vi que uma pessoa estava se afogando. Eu tentava nadar até ela e não conseguia alcançar. Aí ela afundou e eu fiquei olhando para o rosto dela através da água. E ela se contorcia em desespero com a boca aberta à procura de ar e não conseguia respirar. E aquela agonia...! E...'

"Tudo bem, pode parar..." — pediu ela. — "Só de ouvir já me deu aflição...!"

'Mas não sei quem era. Nem parecia ter rosto.'

"Minha mãe também tenho disso" — confessou Tai. — "Sonhos que são avisos. É como um sexto sentido que ela tem para prever alguma coisa ruim. Quando ela me chama e diz que teve um sonho estranho, eu já me arrepio."

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