2 - AMAPOLA FISCHER

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Gosto de surpreender.

Faço esse estilo.

Tenho certeza que Augusto Speranzi, conhecido como Guto, ficou perplexo quando viu que era uma mulher na direção do carro. Todos agem assim. Acham que o mundo das pistas só pode ser comandado por homens.

Pensamento machista.

Tomamos todos os lugares, não acharam que esse seria exclusivo dos homens. Aqui, eu mando e aqui, obedece quem tem juízo.

A essa hora, Alex já falou para o bonitão quem manda aqui. Quando os vejo saírem do vestiário, pronto para testar o carro, tenho certeza absoluta que Alex tentou amansar a fera. Sei que ele ficou bravo com a minha ordem, eu vi isso em seu olhar. Como sempre acontece, eles não sabem quem comanda até descobrirem. Vamos ver como se sairá o novato.

Guto não pode ser considerado novato. Já possui alguns títulos dos anos em que pilotou profissionalmente. Precisou abandonar a carreira, quando em um acidente lesionou a coluna, impossibilitando sua continuação nas pistas. Não acho que tenha sido mesmo esse motivo, porque ele parece perfeito nesses anos em que trabalhou como piloto de testes.

Aliás, pelo pouco que pude ver hoje, ele parece perfeito demais.

Vestido displicentemente com um jeans e camisa polo, marcando seu corpo bem cuidado. Nunca estive assim próxima dele, mas seu rosto é incrível, olhos esverdeados, nariz e boca harmoniosos, contrastando com a pele clara e lisinha. Um homem muito bonito e muito atraente. Esqueço disso quando vejo o carro que ele está pilotando fazer a mesma sequência que acabei de executar.

Caramba, o cara é bom...

— Amapola, parece que temos um campeão na pista. Olha o tempo dele. — Pego o relatório e analiso.

— Para ficar do jeito que eu quero leva tempo, Macari. Quando o rapaz tiver se trocado, mande-o na minha sala que eu mesmo me encarrego de levá-lo até papai. — Enquanto subo para a minha sala, penso em como tudo mudou desde que a família entrou nesse ramo, com meu bisavô. Hoje as pistas e laboratórios do campo de testes da XFI são dotadas de alta tecnologia e equipamentos de ponta, para manter os padrões das leis do país.

Passo no banheiro, troco meu macacão por um terninho básico, arrumo meus cabelos rebeldes e retoco a maquiagem. Quem me vê nas pistas, não imagina que fora dela sou uma mulher cheia de desejos, como qualquer outra.

Entro na minha sala no mesmo momento que toca o meu celular. É Enrico, meu noivo.

— Oi, Enrico. A que devo a honra dessa ligação? — Me jogo na cadeira.

Oi, querida. Estou com saudades. Fiquei fora por quatro dias, cheguei ontem e você nem me ligou para perguntar como estou. — Alguém bate na porta e eu grito para entrar. A porta abre e vejo Guto Speranzi nela. Aceno para ele sentar.

— Enrico, você por acaso me avisou que chegaria ontem? Você me disse que ainda ficaria em Nova Iorque por mais alguns dias. — Acompanho meu piloto sentar na cadeira e analisar o ambiente.

— Mudanças de plano, Ama. Quero te ver.

— Tudo bem, Enrico. Assim que sair daqui passo na sua casa. Preciso desligar agora. — Guto fica me olhando diretamente, prestando atenção na conversa.

— Vou te esperar do jeito que sei que gosta. — Sinto minha pele ficar vermelha. Não sei como responder sem que ele perceba do que estamos falando.

— Perfeito, querido. Até mais. — Fico sem graça.

— Te adoro, Ama.

— Eu também, Enrico. — Desligo rapidamente o telefone.

— Me desculpe por isso. Enrico, meu noivo, chegou de viagem e sabe como é. — Falo tentando consertar a indiscrição.

— Sei sim, está com saudades de você. — Me olha intensamente. — Se eu fosse o seu noivo, sairia do aeroporto direto para sua cama. — Arregalo os olhos, não acreditando no que meus ouvidos escutam.

— Pois é... você não é Enrico. — Olho para ele, tentando fazê-lo entender que esse lugar já tem dono. Ele não fala mais nada. Fica me encarando. Fico desconcertada com o seu atrevimento e acabo relevando por se tratar de uma pessoa que ainda não me conhece.

— Minha vida particular não tem nada a ver com nossa conversa. Bom, você já deve estar sabendo quem eu sou. Amapola Fischer, sou eu quem cuida dos testes com os carros da empresa de meu pai, a XFI. — Ele estica a mão para mim, em uma tentativa de se mostrar acessível, apesar dos seus olhos demonstrarem o contrário.

— Prazer em conhecê-la, senhorita Fischer. Fiquei sabendo que você é a chefa por aqui e que ninguém te desobedece. — Eu estico a mão para ele que segura forte e mantém um pouco demais apertada.

— Essa é a ideia. Espero que aceite ser chefiado por uma mulher, senão teremos um problema aqui. — Puxo a minha mão, sentindo um formigamento por todo o meu braço.

— Nunca tive problemas com as mulheres, confesso que será a primeira vez que uma manda em mim, depois da minha mãe e a minha irmã mais velha. Acredito que não teremos problemas em nos entendermos. — Engulo seco com o sorriso charmoso que ele me lança. Conheço o tipo, está querendo me intimidar, pena que ele terá uma grata surpresa comigo.

— O que você achou do desempenho do carro que pilotou? Detectou algo errado?

— O carro tem um motor incrível. Eu senti uma ligeira descolada no circuito do alce, como se faltasse alguns ajustes na suspensão traseira. — Não consigo me conter e sorrio com a sua precisão ao falar sobre o motor e os mesmos defeitos citados por mim, para o chefe técnico ainda há pouco.

— Falei algo engraçado, senhorita Fischer? — Ele entendeu errado o meu sorriso.

— Primeiro vamos deixar de lado as formalidades. Aqui todos me chamam de Amapola ou mesmo chefa. Segundo, eu estava rindo das nossas conclusões a respeito do carro. Detectei os mesmos defeitos quando pilotei antes de você. — Ele fica satisfeito com a resposta.

— Quero deixar bem claro Guto, que aqui prezamos a segurança em primeiro lugar e não há economia para manter esse padrão nos meus carros. Eles só vão para a rua se estiverem perfeitos e como você já conhece, a perfeição é bem difícil de conseguir. Eu exijo a perfeição. — Ele olha para mim de uma maneira enigmática, tentando descobrir algo que ainda não consigo definir.

— Quer perguntar alguma coisa?

— Desculpe a curiosidade, Amapola. — Meu nome soa sensual em seus lábios e fico curiosa até onde essa conversa vai chegar. Desde a primeira troca de olhar, ele parece estar me desafiando. — Eu sei que você é filha do dono, então é natural estar no comando, mas essa área é praticamente dominada pelos homens, como você chegou nessa cadeira? — Guto é perspicaz e sabe que não foi fácil chegar onde estou por meus próprios méritos. Fico em pé.

— Você vai descobrir por si mesmo como eu conquistei esse cargo. Agora, vou te levar para conversar com o todo poderoso, ele sim comanda tudo por aqui. Vamos? — Ele levanta e me segue. Paro na frente do elevador até que ele chegue. Entramos e aperto o quarto andar, onde fica a presidência. Ele me olha demoradamente e eu o encaro.

— Você é uma linda mulher, Amapola. Enrico é um homem de sorte. — Fico boquiaberta com a sua ousadia. Em seu primeiro dia de trabalho já está bajulando a sua superior. O elevador abre e ele começa a sair. Eu não me mexo. Ele me olha questionando.

— Acho que você está bem grandinho e conseguirá achar a sala da presidência sozinho. Boa sorte. — Aperto o botão e a porta do elevador vai fechando. A última coisa que vejo é seu sorriso irreverente.

Presumo que terei problemas como o novo piloto de testes.

PAIXÃO NO RETROVISOROnde histórias criam vida. Descubra agora