23 - AUGUSTO SPERANZI

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A semana começa puxada. Amapola não estará na XFI a partir de quinta-feira por conta de mais uma rodada da corrida. Ela quer o Erus pronto para rodar na rua já na semana que vem e ainda faltam uns pequenos ajustes nele.

Um pouco antes do almoço o dia começa a azedar. Vejo o seu ex-noivo, o tal do Enrico caminhar em direção à sala dela. Será que esse grandessíssimo filho da puta quer reconquistá-la?

Porra, ele magoou a Amapola, mas foi o seu noivo por alguns anos, ela ainda deve ter sentimentos por ele. Meu desconforto aumenta quando ela sai junto com ele e parecem bem felizes.

— O que está acontecendo, piloto? Parece um bicho enjaulado, só falta urrar. — Descubro que o pessoal da oficina está prestando atenção em mim.

— Não é nada, merda. Não é nada... — Vou para o refeitório, almoço e esfrio a cabeça no meu canto preferido. Ali, entro em sintonia com a natureza e as curvas da pista.

Estou testando mais uma vez o Erus, quando a vejo vestida com seu macacão. Vai correr, a beldade. Acelero em sua direção e freio forte para parar. Ela nem se abala.

— Algum problema, piloto? — Ela tem um semblante tranquilo, está sorrindo para mim.

— Apenas testando, chefa. Está feliz? — Ela pensa.

— É, posso dizer que estou de bem com a vida. Dá a chave que eu mesmo vou constatar se meu humor vai continuar assim. — Pego em sua mão e entrego a chave.

— Vai se surpreender.

— É o que espero, sinceramente. — Ela toma seu lugar de líder e não canso de apreciar suas derrapagens. Seria uma honra pertencer a sua escuderia. É a primeira vez que esse pensamento toma forma na minha mente. Eu e ela na pole position, ou ela e eu, tanto faz.

— Só posso estar maluco. — Quando ela estaciona, a oficina está toda na expectativa das suas considerações. Ela sabe. Vive isso há anos. Anda em volta do carro, tirando lentamente as luvas, capacete e touca, com seu capacho, Alex, segurando seus pertences. Abre o zíper do macacão e arranca os braços de dentro, ficando apenas com a camiseta branca. Os rapazes eu não sei, mas isso me excita demais, me deixa arrepiado.

— É... meninos. — Joga a cabeleira de lado. — Parece que temos um campeão. Ele está pronto para os testes de rua. — A galera vibra e comemora. Eu queria mesmo era enroscá-la na minha cintura. Ela pede silêncio.

— Como todo fim de ciclo, teremos sete merecidos dias de descanso, porque logo mais o Black car sairá do forno. O novo carro de corrida terá duas mentes brilhantes no comando e vocês já sabem como nosso mais novo piloto de testes é cabeça-dura. — Ela me surpreende, chamando a atenção para mim.

— Como se fosse fácil agradá-la, chefa.

— Agora é a hora que você fica calado, Speranzi. — Todos se divertem com a brincadeira. Nunca trabalhei em um ambiente tão agradável e tão equiparado. Aqui todos têm os mesmos direitos, mesmo que cada um tenha sua função e ela seja simples.

Na terça-feira, Amapola recebe outra visita. Adams Hills, um piloto bem cotado na atualidade. Meu sensor liga. Ela está em busca de alguém para pilotar ao seu lado na próxima temporada.

— Oi, pessoal. Acho que Adams dispensa apresentações. Nós vamos discutir uns assuntos, vocês podem arrumar meu carro que ele vai dar umas voltas depois. — Todo mundo se mobiliza, enquanto eu fico ali, só olhando. Ela percebe. Ele também.

— Ora, ora, Guto Speranzi no time. — Ele estica a mão para mim. Eu aperto forte demais, acredito.

— Tudo bem, Hills?

— Você não é fraca não, Ama. Um campeão como piloto de testes.

— Sabe que ao meu lado, só os melhores. Vamos olhar o Black?

— Vim para isso e também para pilotar seu queridinho, que guarda na meia. — Olha para mim. — Acho que vamos nos ver mais vezes, Speranzi. — Concordo com a cabeça. Vai sonhando, Hills, vai sonhando!

Ela tirou a semana para me provocar. O cara pilota o carro dela e depois ela pilota junto com ele. Na sequência saem para almoçar juntinhos, de braços dados. Para ajudar, Sander fala algo ao vê-los saindo juntos.

— Tem um clima de romance no ar. A chefa merece ser feliz, não acha? — Devo ter rosnado para ele, porque faz uma cara de assustado e sai correndo de perto. Sei que ela está fazendo jogo duro. Descobriu meu ponto fraco. Quando volta do almoço interminável, manda me chamar na sua sala.

— Precisa de algo, chefa? — Ela está séria o que me deixa com o pé atrás.

— Quero saber se você vai me acompanhar na corrida dessa semana? — Assim, bem direta.

— Se eu não for atrapalhar seus planos, gostaria de ir.

— Meus planos nesses dias é a pista, o carro e minha conexão com eles. Confesso que gostei de te ter por perto. O voo é comercial. Envio por e-mail os horários. — Ficamos ali, olho no olho até que ela abre seu notebook e me dispensa com a mão.

Por que tenho a sensação de que sua provocação não acabou ainda?

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