34 - AUGUSTO SPERANZI

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TRÊS MESES DEPOIS

Manter uma boa convivência com Amapola nos últimos três meses foi bem fácil, ela é uma líder incrível. Já controlar meu pau longe dela foi a coisa mais difícil que tive que fazer. Ela se manteve a distância, se comportou, não provocou, porém, sua presença foi o suficiente para me fazer sonhar várias noites com ela em minha cama.

Ficar no celibato não é algo que já tenha acontecido comigo. Três meses sem sair com uma mulher acende meu alerta. Ela conseguiu mesmo substituir Nataly no meu coração. Fico até surpreso de admitir isso.

Enfim, estou pronto para amar novamente.

Mas essa não é a minha única preocupação. Hoje o Black sai do laboratório para as pistas de testes e eu sei que ela vai jogar o carro nas minhas mãos. Eu acompanhei todos os testes feitos no laboratório e meus dedos já correram as linhas dele mais do que deviam. Nossa conexão já vem do papel e, na verdade, não sei se estou preparado para encarar de frente os meus fantasmas.

— Atrapalho? — Amapola está ao meu lado.

— Não, chefa. Estava pensando na vida.

— Algum problema?

— Os mesmos de sempre.

— Guto, eu não estou te pressionando. Até agora nem toquei nesse assunto, mas vou precisar de respostas. O campeonato começa em quinze dias e o Black vai correr nessa temporada. Não é nenhum segredo que ele foi desenvolvido para você pilotá-lo, porém, isso só vai acontecer se você aceitar o desafio e estiver disposto a correr com a alma. Minha proposta hoje é que até sexta-feira você teste o Black e me responda se vai encarar esse desafio. Antes que me pergunte, você é capaz, é o melhor e pode se surpreender com a pista. É diferente da Fórmula 3, onde você tem dois títulos, mas a adrenalina, o amor pela velocidade, o encantamento é o mesmo. Você quer esperar até sexta-feira ou já tem a resposta? — É a primeira vez enquanto ela fala que fito os seus olhos. Seu olhar é seguro, é uma mulher decidida. Toco sua face com os dedos e aliso a sua bochecha.

— Vou testar o Black essa semana e na sexta-feira conversaremos. Não quero me arrepender quando escolher que caminho seguir, Amapola.

— Perfeito. — Ela me surpreende com um beijo no rosto e um abraço apertado. A saudade do seu contato bate forte. Ela se afasta.

— Ele está chegando, vamos ver a belezinha? Vou até tirar o meu bebezinho da garagem. Não pense que vou facilitar para você.

— Vamos lá, chefa. Sua garra me contagia. — Quando viramos em direção ao laboratório, damos de cara com vários olhos nos observando, que disfarçam imediatamente. Todos também estão ansiosos com a minha resposta.

Pensando bem, acho que eles estão atrás de outro tipo de revelação.

Quando o ronco do motor do Black enche o ambiente da oficina, meus pelos se eriçam. Sentir a vibração dele em união com o meu coração é impactante. Enquanto todos estão festejando o projeto pronto, meu peito explode em emoções controversas. Amapola me olha de um jeito que sabe o que está acontecendo dentro de mim.

Entro no carro e saio na pista lentamente, conhecendo cada detalhe do meu companheiro. Faço algumas voltas e paro para pedir alguns ajustes. Assim que me sinto confortável, dou a primeira volta utilizando toda potência permitida em uma pista de testes.

É incrível como a adrenalina trabalha o corpo e a mente. Sinto meu corpo pulsar em todos os espaços, como se ali fosse o meu lugar no mundo. Amapola não me deixa sonhar acordado. Passa por mim, acelerando forte, me provocando. Compro a briga. Acelero atrás dela. Treinamos por muitas voltas, um tentando ser melhor que o outro. Quando paro na garagem e Amapola para atrás de mim, desce e tira o capacete e a touca, derramando sua cascata negra nas costas, quero amá-la, ali naquele piso de concreto. Sinto algo avassalador correr em minhas veias, um desejo incontrolável de meter bem fundo dentro dela. Ela sabe, sua boca está entreaberta, seu peito sobe e desce, seu cheiro invade o ambiente. Também invade o ambiente, o chefe da oficina, o engenheiro e dezenas de pessoas esfuziantes, nos tirando da nossa bolha.

Nos próximos dias, ela não volta às pistas. Sei que ela está dando espaço para mim, para não influenciar em minha decisão. Como se o dedo dela não estivesse em cada pedaço daquele lugar, como se não fosse uma mulher inesquecível e marcante.

Chega a sexta-feira e com ela o momento da decisão. Vou até a sala da Amapola e bato à porta entreaberta. Ela está sentada, olhando a pista da sua janela. Vira a cadeira e me vê.

— Pensei que ia me deixar nessa angústia até o anoitecer, Speranzi.

— Não sabia que estava assim tão ansiosa para me ver.

— Você me conhece.

— Ahh... sim, profundamente.

— Não provoca, piloto.

— Não era a minha intenção, desculpe. — Sorrio para ela e ela sorri de volta.

— Bom, sei também que você me conhece, talvez até melhor que eu...

— Fala logo quais são suas ressalvas. Eu sei que você vai correr. A velocidade corre nas suas veias.

— Assim fica difícil conversar com você.

— Agora seria a hora que eu tenho que pedir desculpas? — Bate a caneta na mesa várias vezes.

— Está afobada. Até sei qual é o seu problema. — Amapola fica séria e enfim consigo sua atenção.

— Vou correr com o Black e você já sabia disso porque não me deixou muita escolha. Me deu um carro incrível para pilotar e sabe que sou apaixonado por velocidade, mas eu não quero pressão nenhuma sobre mim. Minha vida é a pista, porém, faz quase três anos que ela não é parte da minha vida. Correr profissionalmente é diferente de pilotar carros de testes. Guto Speranzi não é sinônimo de vitória, Amapola.

— Talvez você queira ser o mascarado da temporada. Esse ano eu vou de cara limpa.

— Uau... essa é uma boa notícia. Não, eu não quero ir mascarado, só não quero que você crie muitas expectativas sobre mim. — Ela pega um envelope sobre a sua mesa e me entrega.

— Está aí o seu contrato. Leve para casa, leia ou mesmo leve para os seus advogados. O contrato é só de uma temporada. Você não é um cara para ficar amarrado a uma mulher por muito tempo.

— Aceitaria de bom grado ficar amarrado com uma mulher por algumas horas, afinal algemas não é um limite rígido para ela. — Ela se levanta abruptamente.

— Assunto encerrado, Speranzi. Aguardo o contrato assinado. — Sua pele está arrepiada, seu rosto ruboriza e sei que está subindo pelas paredes. Eu também me levanto e não faço questão de esconder minha ereção. Ela vê.

— Não me provoque, Augusto.

— Augusto? Nunca me chamou assim.

— É o desespero. Sabe o que faz comigo. Melhor você ir agora. Eu não quero fazer parte desse contrato. — Isso me repele. Faz-me lembrar de uma história desagradável.

— Estou indo. Obrigado, Amapola. Vou correr ao seu lado, é fato. Lerei o contrato apenas para confirmar se está do meu agrado. — Estico a mão para ela que aperta sem pestanejar. A corrente elétrica que nos atinge, faz soltarmos as mãos rapidamente. Ambos gargalhamos, descontraindo o clima tenso.

— Por que eu fico tão elétrica e tão molhada quando estou próxima de você? — Amapola é perigosa.

— Talvez porque eu seja um homem lindo, gostoso e irresistível.

— Quer ouvir o que eu penso sobre isso?

— Melhor não. Não quero me indispor com você.

— Não quer se despir comigo, você quer dizer. Pode fugir, piloto.

Na segunda-feira deixo o contrato assinado em sua mesa, antes de assumir meu lugar de piloto de testes da XFI. Quero acreditar que temos um campeão novamente nas pistas.

Não quero desapontá-la.

PAIXÃO NO RETROVISOROnde histórias criam vida. Descubra agora