32 - AUGUSTO SPERANZI

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Minha noite foi agitada. Não consegui relaxar depois da nossa última briga. Parecia bem e acabou mal, aliás, não acabou porque não vou deixá-la ter a última palavra.

Bato em sua porta e ninguém atende. Já deve ter descido para o desjejum. No café não a encontro em nenhum lugar. Passo na recepção, disposto a pedir ajuda para abrir o quarto, se for preciso.

— Senhor Speranzi?

— Sim, sou eu. — Ela pega um envelope grande e me entrega.

— A senhorita Fischer deixou isso para o senhor. — Abro o envelope e vejo a chave do carro. Meu alerta já me avisa que algo não saiu como o planejado. Leio o bilhete:

Caro piloto Augusto Speranzi,

Surgiram alguns imprevistos na XFI e precisei antecipar a minha volta. Nesse envelope contém tudo que será necessário para que você continue os testes com o Erus. Também enviei alguns e-mails com detalhes de paradas e hotéis, assim como as quilometragens sugeridas a cada cidade.

Espero que o carro se comporte de acordo com os planos iniciais. Qualquer problema, não hesite, entre em contato com o Mike ou mesmo com o Sander.

Bom retorno,

Amapola Fischer.

Releio o bilhete sucinto. Resumidamente: eu estou fora, se vira. E não se esqueça, sou sua chefa. Quando foi que a irritei tanto a ponto de sair no meio da noite, viajar até o aeroporto e voar de volta para Curitiba.

Pior é que o meu dever é seguir o roteiro, porque a empresa é dela, o carro é dela e eu sou somente o seu piloto de teste, que, aliás, não devia ter passado disso. Puta merda. Não consegui manter o meu pau dentro da calça e agora estou pagando o preço.

Aproveito o tempo para pensar. Pensar que preciso esquecer o passado e me concentrar no que eu ainda posso fazer. Talvez Amapola esteja certa, eu vivo fugindo de tudo que me tire do controle. Ser traído e enganado me fez ser uma pessoa cética, desconfiado de tudo e de todos. Amapola foi a primeira mulher que eu dei espaço e deu no que deu. Se achou no direito de dizer o que pensa.

Decido seguir exatamente o planejado por ela, e descubro que ela pretendia me seduzir a cada parada, levando em consideração os lugares maravilhosos que passei as noites. Isso foi revelador, porque fica evidente que ela nutre sentimentos por mim. Talvez, e só talvez eu também sinta esse emaranhado de sentimentos por ela. Eu ainda não sei. Só sei que a volta da viagem foi muito solitária e eu podia ter ficado com qualquer mulher que me deu mole nas cidades que passei, mas não o fiz. O cheiro dela estava presente no carro, na minha pele e isso não me deixou esquecê-la por nenhum momento.

Também nunca foi o meu perfil resolver um problema utilizando pessoas que não tem nada a ver com eles. Já fiquei com muitas mulheres sim, elas sabiam que era sexo e sem nenhuma chance de paixão de minha parte. Agora as coisas tomaram outro rumo.

Ligo para o Sander, avisando meu horário de chegada na oficina. Ele me espera. Já está escuro quando guardo o Erus na oficina. Assim que guardamos, organizo a papelada das análises e a pergunta escapa da minha boca.

— A chefa está aí?

— Não. Ela já foi para Brasília para a penúltima corrida da temporada. Parece que nem descansou, está com um humor terrível.

— Eu que o diga.

— Desculpe perguntar, Guto, mas vocês brigaram na viagem? — Como responder sem me comprometer.

— Tivemos uma divergência de ideias, algo que poderia ser contornado, mas você conhece a chefa, só faz o que acha certo.

— Ela mandou avisar que só precisa de você na oficina na segunda-feira.

— Valeu, Sander. Preciso mesmo de um tempo para me recuperar da estrada. — Mas não é isso que acontece. Quando dou por mim, estou em um voo para Brasília a tempo de assistir as classificatórias da corrida dela.

Essa atração pelas pistas e por Amapola está se tornando perigosa. Faz muito tempo que eu não ajo tão impulsivamente. Pensando bem, faz um bom tempo que meu coração não bate tão freneticamente só em ver uma mulher escondida em um macacão, com um capacete na cabeça, dando ordens para seu mecânico.

Escondo-me. Não quero que ela saiba que eu estou na área. Subo no paddock e assisto os treinos de lá. Seus tempos não foram bons e ela vai largar na quarta fila. Vejo o seu carro sair demais nas curvas, talvez por causa das suas freadas atrasadas. Amapola não parece concentrada e resolvo conversar com ela.

Quando chego à escada, Nataly está ali me olhando de maneira sedutora. Está usando um vestido tão justo que todos os homens do ambiente devoram suas curvas.

— Oi, Guto. Sabia que te encontraria em algum lugar. Pensei em você. — Pronto. Sua tática infalível para atrair mais um trouxa.

— Oi, Nataly. Infelizmente não posso conversar com você agora. — Ela se joga em meus braços e eu a afasto no mesmo instante. Tudo que não quero agora é ser fotografado ao seu lado.

— Tudo bem, mas promete que toma um café comigo pelo menos.

— Estou aqui a trabalho, Nataly. Não tenho tempo livre.

— Eu entendo. Só não prometo que não vou te esperar, Guto. Preciso conversar com você.

— Com licença. — Desço a escada rapidamente e quando chego aos boxes, Amapola já guardou o carro. Está tirando o capacete quando os seus olhos encontram os meus. Ela não sustenta o olhar, apenas faz um meneio de cabeça e começa a conversar com o pessoal da oficina.

Fico ali, meio sem jeito, esperando que ela venha até mim. Ela vem.

— E aí, piloto? Não imaginei que estaria aqui. Pensei que descansaria da viagem.

— Tive tempo de sobra para descansar na viagem. Trouxe o Erus de volta e você vai se surpreender com os números que ele fez. Seu carro será um sucesso.

— Pelo menos um, visto que o da corrida está deixando a desejar. — Ela olha para o meu ombro diversas vezes durante a conversa.

— Por que está me olhando assim?

— Parece que já encontrou sua ex. — Puxo a camisa e vejo a marca de batom vermelho que ela plantou ali de propósito.

— Também parece que ela ainda continua no jardim da infância.

— Vou me trocar.

— Não tem nada errado com o carro, chefa. — Ela volta o rosto para mim.

— O que você está insinuando, piloto?

— Eu assisti a classificatória. O erro que causou seu oitavo lugar não está no carro. — Ela olha para os lados para ver se alguém está nos escutando e cruza os braços.

— E o piloto, Guto Speranzi, tem uma teoria, acertei?

— Você estava nervosa, com raiva, seu tempo de freada estava fora, desse jeito o carro jogava nas curvas, fazendo-a perder preciosos segundos na retomada.

— Você é perspicaz, sugiro que fique fora do meu caminho. — Entra na sua saleta e fecha a porta.

Sei o que ela precisaporque eu também estou sentindo a mesma coisa. Olho o batom vermelho na minhacamisa e não entendo o que Nataly quer comigo. Nunca quis o zé-ninguém e agorase interessou a ponto de mostrar isso para todos.

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