28 - AUGUSTO SPERANZI

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Durmo bem pouco, assombrado pelo passado e tenso pelo presente. Encontrar Nataly e perceber que não a superei totalmente, me derrubou. Olhar Amapola dormindo em minha cama e não poder tocá-la também me sufoca.

Ela é a primeira mulher que ultrapassa a barreira de segurança que criei para não me machucar novamente e para que isso não aconteça, ela que será magoada. Deveria ter resistido ao seu assédio. Mas como resistir a essa mulher tão perfeitamente encaixada no modelo de mulher ideal? Como não me deixar dominar por essa força interna que ela possui e transborda por onde passa?

Sonhei com esses cabelos esparramados no meu travesseiro e está aí, fotografada na minha mente para a posteridade. Não imaginei que seria tão difícil voltar para a posição patrão e empregado. Talvez Nataly tenha aparecido para que eu me colocasse no meu lugar. Avancei o sinal e acabei atrapalhando uma relação bacana de amizade.

Ela se espreguiça e abre os olhos. Estão vermelhos e surge uma dúvida de como eles ficaram assim.

— Bom dia, Speranzi. Estou moída. Temos tempo ainda? — Olho no relógio e faço os cálculos.

— Temos uma hora e meia para estarmos no aeroporto que é pertinho.

— Então não consigo ficar na cama mais um pouco. Acho que vou deixar a XFI na sua mão hoje.

— Amapola Fischer jogando a toalha?

— É que sempre me achei invencível e percebi que não é assim. Também deve ser a idade. Não sou mais uma jovenzinha.

— Besteira sua. Quer que eu peça o café no quarto? — Ela se senta na cama e seu corpo nu injeta adrenalina no meu corpo. Espreguiça-se mais uma vez e eu fico hipnotizado. Seu poder de sedução é potente.

— Quero.

— Sugiro que faça isso logo, Amapola.

— Não resiste a um corpo nu? — ela graceja e se levanta da cama.

— Não resisto ao seu corpo nu. Melhor não me provocar. — Amapola caminha até o banheiro graciosamente, exibindo o que Deus lhe concedeu.

— Tomo banho em cinco minutos, piloto. — Entra no banheiro e fecha a porta. Eu volto a respirar. Se ela fizer esse jogo a semana toda estou ferrado.

Quando sai do banheiro, assume sua posição de líder. Consigo relaxar quando ela passa a ser a chefe. Mesmo cansada, ela vai para a empresa resolver questões burocráticas sobre os testes de rua do novo carro.

Não saiu do escritório em momento nenhum e tenho para mim que eu sou um dos motivos.

Na terça-feira eu a vejo apenas no refeitório. Ela faz um aceno de cabeça e se senta junto com a secretária de seu pai. Confesso que sinto falta da sua presença na oficina. Meu trabalho se torna chato sem os seus comandos.

No meio da tarde, Alex me avisa que a chefa pediu para me chamar.

— Ela pediu ou mandou?

— Tem diferença, Guto? O que ela fala é uma ordem.

— Claro que tem, garoto. Dependendo da entonação eu sei se é coisa boa ou é porrada.

— Ela pediu e falou por favor, então deve ser coisa boa. Vá logo lá e descobre.

— Beleza. Vou lavar a mão — minto. Vou até o vestiário verificar se estou apresentável.

A porta dela está aberta. Ela está no telefone e não me vê.

— Você sabe que eu não gosto de balada. Por que insiste em me levar em uma? Me convida para um show de rock, um passeio no parque, tomar um vinho em Santa Felicidade. Eu topo na hora, querido. Balada eu tô fora. — Ela vira e me vê na porta.

— Preciso desligar, tenho que resolver umas questões aqui. Eu já disse, me esquece nos próximos dez dias. Depois escolhe melhor se quiser a minha companhia. — Ela acena para eu me sentar.

— Ah! Sou inesquecível. Conte outra, querido. Um beijo. — Ela desliga o telefone.

— Desculpe, piloto. Ligação fora de hora.

— Ele está certo, chefa. Você é realmente inesquecível.

— Obrigada. O Erus vai para as ruas amanhã e a oficina para em recesso nos próximos sete dias. Estou precisando de descanso e apesar de saber que tem trabalho envolvido, medições e afins, quero tocar a viagem até Porto Alegre. Veja bem, não estou falando como a chefa, estou perguntando como Amapola, se você quer ir comigo. Normalmente é o Mike que vai e nem sempre sou eu. — Ela está nervosa, normalmente não dispara a falar assim.

— Eu entendi. Nunca vi você perdida nas palavras.

— Eu não sou boa em mentir.

— Não minta.

— Quero a sua companhia. E antes que pergunte, não será como na última corrida. É sem sexo, nem mesmo quarto. Dois profissionais que sei que somos, fazendo um trabalho em dupla.

— Minha família mora em Porto Alegre. Me dá um dia para ficar com eles?

— Com certeza. Quando chegarmos lá o carro precisa passar pela especializada. Fazemos um pit stop e você mata a saudades. Achei que nem tinha família, nunca comentou.

— Eles não aprovaram algumas atitudes minhas, então nos afastamos um pouco.

— Nem posso fazer isso. Meu pai não para de me encher com essa história de neto. Estou quase arrumando uma gravidez para ele parar com essa conversa. O difícil é achar alguém que queira fazer esse servicinho. — Deve ter lembrado do que aconteceu entre nós, porque seu rosto fica rosado. Depois se recupera. — Viu, se eu quisesse, poderia estar grávida agora, piloto. Sexo sem proteção não é recomendável.

— É muito recomendável sim, filha. — Robert Fischer entra na sala e eu não sei o quanto ele ouviu da conversa. — Um neto me faria o velho mais feliz do mundo. Não vai me dizer que arrumou alguém e está me escondendo? — Olho para ela e também aguardo a resposta.

— Pai, vamos dizer que estou interessada em alguém, mas daí até transar sem proteção tem um longo percurso. Para fazer isso você tem que pelo menos confiar no cara, acreditar que ele é uma boa pessoa e que gosta pelo menos um pouco de mim. Aonde vou arrumar um homem com todas essas características, pai? Além disso, precisa rolar respeito e amor. Os homens não querem assumir um compromisso, senhor Fischer. Acho que um neto hoje, só se for de proveta.

— Acho que você é muito exigente, filha. Eu só quero um neto.

— E eu quero um homem que me ame pelo que eu sou, pai. Quando encontrá-lo, estarei grávida na lua de mel, tenha certeza disso. Agora, se veio me atazanar com essa conversa, pode dar o fora. Estou tratando de negócios com o Guto.

— Viu isso, Speranzi. Não tenha filhos, depois que crescem viram uns ingratos. Acha que estou pedindo demais?

— Claro que não, Robert.

— Tá vendo, Amapola. Só você que não entende. — Robert sai da sala resmungando.

— Belo discurso, chefa.

— Vá se foder, Speranzi.

— Adoro o seu senso de humor. Vou com você desde que transemos todos os dias e sem preservativo. Está na hora de alguém encher sua barriga.

— Cala a boca, piloto. Você tem todos os requisitos, por acaso? — Balanço a cabeça em negativa.

— Agora é sério. Vou com você desde que me veja como seu funcionário. Acho que nossa amizade vale mais do que sexo sem compromisso. — Ela promete cruzando os dedos e beijando-os.

— Chefa e piloto. Prometo. — Por que saio da sala com uma sensação de que não vou me manter nesse papel a semana toda.

PAIXÃO NO RETROVISOROnde histórias criam vida. Descubra agora