8 - GUTO SPERANZI

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Encostado no gradil da área de testes, vejo toda a movimentação da manhã. Gosto de acordar cedo e sentir o sol energizando meu corpo. Agradeço todos os dias ter sobrevivido aquele acidente na pista e poder estar dentro dela de uma maneira menos arriscada. É por isso que hoje eu levo a vida mais leve, apreciando cada segundo dela.

Amapola sai do prédio e caminha em minha direção. Caralho, ela é linda e mexe com todos os meus sentidos. Está difícil colocá-la como proibida, mesmo que eu tenha dois ou mais motivos para me manter a distância. Pelo menos olhar não arranca pedaço.

— Bom dia, piloto. — Ela sorri abertamente para mim e me desarma, porra. Não faz isso comigo, Amapola.

— Bom dia, chefa. Acordou de bom humor? — Ela apoia no gradil, olhando para a pista.

— Podemos dizer que apesar de a noite não ter acabado como eu imaginei, acordei com uma ideia para o nosso defeito.

— Então você teve mais sorte que eu. Apesar de a noite ter acabado como eu imaginei, a manhã me mostrou que minha imaginação me pregou uma peça. — Amapola me olha diferente. Ela nunca me olhou assim.

— Bora trabalhar, Guto. Acho que temos um defeito eletrônico no controle de tração. Quero investigar isso e remapear. — Quando Amapola entra no laboratório e dá seus comandos, fico ali, de fora, observando sua sabedoria e seu domínio do ambiente. Todos os caras, sem exceção, obedecem às suas ordens sem questionar. Ela nasceu para ser líder e nessa hora eu entendo quando o senhor Fischer disse que eu ia saber porque ali é o lugar dela.

Enquanto eles mexem com a suspensão, vou até a oficina querendo testar uma belezinha que desde que cheguei estou de olho.

— Macari, estou de olho nessa belezinha aqui. Rola pilotar a máquina na pista?

Ixxi... Guto. Esse aí só com a autorização da chefa. Ninguém ousou fazer esse pedido até hoje.

— Vocês parecem ter medo dela. Qual é o problema, afinal? — Ele meneia a cabeça e olha além de mim. Eu viro e me deparo com ela, com os braços cruzados.

— Você é abusado mesmo, Speranzi. Todos aqui são doidos para dar uma volta no meu carro, mas ninguém teve culhões para pedir. Será que eu estou vendo um corajoso na minha frente? — Ela passa a mão no carro, acho excitante essa mulher se conectar com algo tão masculino.

— Se você me conceder esse pedido, posso até te levar junto para fazer um reconhecimento da pista.

— Desde que você me acompanhe quando eu estiver na direção, desejo concedido. — Meu corpo vibra com a ideia de tê-la só para mim na pista. Será a primeira vez que estarei próximo o suficiente para vê-la pilotando. Estico a mão e ela aperta firme.

— Campeonato de tempo, senhorita?

— Sei que não tenho chances, afinal quem estará ao meu lado será Guto Speranzi, o piloto bicampeão da Fórmula 3.

— Quem sabe não ensino algo para a Fênix e ela se torna a campeã atual da Copa Brasil. — Mais uma vez ela abre aquele sorriso que me desarma.

— Podemos aprender um com o outro, o que acha?

— Bem mais inspirador.

Assim que os mecânicos ajustam a máquina, que estava parada por algum tempo, eu começo o reconhecimento da pista. Sentir o motor roncar aumenta a minha adrenalina. Sempre foi assim. Gosto desse frenesi que toma meu corpo quando a luz se acende. Amapola parece sentir isso também.

O carro é potente, o motor vibra. Esqueço que ela está ao meu lado e dou tudo de mim. Quando paro, tenho uma mulher extasiada ao meu lado, me olhando de um jeito especial. Eu me sinto especial.

— Você é bom mesmo, cara. Agora é minha vez. — Agora é a minha vez de vê-la pilotando. Ela tem uma vantagem. Corre há algum tempo no circuito. Isso não a faz estar em vantagem. Ela dirige forte, não tem medo, é ousada nas curvas, até mais do que eu. Fico observando meio hipnotizado seus movimentos, trocas de marchas, sua dedicação.

— Não tenho combustível para mais uma volta.

— Não para. Não para agora, Amapola. — Ela continua no mesmo ritmo até o carro parar por pane seca no meio do circuito, longe de todos. Meu coração está descompassado. Tiro o capacete e a touca tentando encontrar um ar. Ela tira o capacete e touca também. O coque se desfaz e os cabelos caem em desalinho. Ela me olha e eu entendo o seu olhar.

Não faz isso, garota.

Tarde demais, ela puxa minha nuca e me beija. Amapola me beija e eu não tenho forças para afastá-la. Envolvo sua língua na minha. Sua boca é doce, é macia. Puxo-a para mais perto, mas o cinto me detém. Ele aperta o meu peito e isso me acorda. Arrumo forças de não sei onde e a empurro. Sua pele rosada, a boca vermelha, o olhar intenso e a respiração entrecortada me faz fugir. Desço do carro e vou em direção aos boxes. É uma longa caminhada.

Não demora muito e ela está ao meu lado.

— Não foi intencional, Guto. É que a adrenalina me cegou por uns instantes. Peço desculpas. — Tiro minhas luvas.

— Você não pode fazer as coisas assim sem pensar. Me coloca em uma situação delicada, porra. Eu tenho controle até um certo ponto. Se você ultrapassar esse limite, nós dois podemos nos arrepender. Eu não costumo beijar mulheres comprometidas, Amapola. Isso é uma regra rigorosa em minha vida. — Caminhamos lado a lado, cada um com seu capacete nas mãos.

— Tecnicamente você não me beijou. A abordagem partiu de mim. — Ela precisa quase correr para acompanhar meus passos furiosos.

— Mesmo assim, eu correspondi a sua abordagem, chefa. Já estava difícil antes, agora sabendo o seu gosto, vai complicar. — O pessoal da equipe vem com um carro de apoio em nossa direção. Antes que eles nos alcance ela manda a real.

— Acha que você não bagunçou a minha vida, Speranzi? — Macari desce do carro e começa a conversar com ela. Essa mulher bagunçou a minha vida. Não quero lembrar de coisas que deixei enterrado no passado. O preço que paguei é alto demais para cair em um erro semelhante.

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