13 - AMAPOLA FISCHER

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Quando chego ao buffet do hotel bem cedo, procuro por entre as pessoas um homem que possa me falar algo que me acalme. Nunca, em nenhuma corrida, fiquei tão elétrica como nessa noite que passou. Guto já está olhando para mim quando nossos olhos se encontram. Eu caminho até sua mesa.

— Posso me sentar com você?

— Claro, o que foi? Está tensa.

— Eu não sei o que aconteceu essa noite. Não dormi direito. Minha cabeça não parou de trabalhar.

— Eu também ficava assim em véspera de corrida.

— E o que você fazia?

— Sexo, o bom e gostoso sexo. Não existe coisa melhor para relaxar. — Arregalo os olhos e ele sorri. Ele zomba, mas eu sei que é verdade. Vejo em seus olhos que não está de brincadeira.

— Então eu devia ter perguntado isso para você ontem.

— Ainda dá tempo de dar uma rapidinha. — Levanto e vou até o buffet arrumar meu desjejum. Minha mente me trai e imagino dois ou três lugares para fazer um sexo bem rápido e eficaz. Esses pensamentos obscenos afastam minha mente da corrida e com isso meu corpo relaxa. É como se eu fizesse realmente um delicioso sexo pensando apenas no ataque dele naquele dia na casa do meu pai.

Quando volto à mesa, acredite... estou mais calma.

— Sabe que funcionou essa nossa conversa. Estou menos tensa.

— Posso saber como conseguiu isso?

— Estou pensando que posso ganhar uma rapidinha quando a corrida acabar e eu estiver no pódio.

— Espero que isso funcione para você, porque para mim isso vai ser uma tortura, chefa.

— Foi você quem sugeriu isso.

— Pensei que fosse brigar comigo e assim esquecer da corrida.

— Mas eu esqueci da corrida, piloto. Esqueci até que sou sua chefa. Sabe o que pode ser isto? Essa amnésia?

— Chama efeito Speranzi. — Rimos juntos, chamando a atenção das pessoas à nossa volta.

— Tá aí, a Speranzi é a última que corre. Com licença. — Levanto-me da mesa bem mais leve do que me sentei. Talvez seja mesmo o efeito Speranzi.

Quando desço do quarto já estou incorporada na Fênix, minha personagem nas pistas. É a primeira vez que me questiono se não devia escancarar quem é o piloto misterioso. Subir no pódio e receber meu troféu de cara limpa.

Quem sabe esse dia chegue. O preconceito sempre existirá, o maldoso sempre falará que eu só corro porque meu pai me banca. Algumas pessoas sempre precisam criticar os outros para serem felizes.

Ainda não chegou esse momento.

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Quando chegamos ao autódromo, fico impressionada com o número de pessoas e fotógrafos em volta do Guto. Parece que o nosso piloto não foi mesmo esquecido. Agradeço sua presença, assim ninguém me enxerga. Ele não diz nada comprometedor, apenas que está acompanhando um amigo corredor. Percebo que ele não gosta dos holofotes e só relaxa quando entramos nos boxes.

— Não tem uma maneira de gostar desses repórteres. Eles só querem fazer fofoca.

— Calma, piloto, eles estão apenas fazendo o seu trabalho.

— Depois que eu saí das pistas arrebentado, ninguém foi ver como eu estava. — Vejo uma mágoa superficial diante do abandono.

— Acredite, isso foi melhor para a sua recuperação. Agora, preciso me concentrar. Você vai ficar bem sozinho? — Ele coloca um boné e um óculos escuros e está de jeans e camisa polo. Um belo espécime de homem.

— Claro, chefa. Vou circular por aí e tentar não me estressar. Boa corrida para você.

— Valeu. Deixei um fone disponível se quiser acompanhar os bastidores. Fala com o chefe da equipe.

— Eu estarei te ouvindo, Ama. Obrigado por hoje. — Passo a mão em seu rosto e resisto bravamente ao contato maior. Entro na minha sala particular e começo meu ritual.

Amo esse momento só meu. Nessa hora meus pensamentos estão voltados para a corrida, o carro, a pista. Cada curva é milimetricamente revisada e peço a Deus para que não aconteça nenhum acidente por mais simples que seja.

Quando entro no carro, não vejo mais nada e nem ninguém. Ali sou eu e a máquina. Somos nós dois contra a superação. Quando a luz vermelha começa a acender e a verde aparece, eu ganho o mundo e foco apenas na emoção de cada volta. Para quem está do lado de fora, o tempo parece enorme, mas para mim o tempo voa. Tenho apenas alguns segundos para pensar no momento certo da ultrapassagem, da parada nos boxes, do tempo da volta que acaba e a que vai começar.

Quando a bandeira quadriculada balança, meu peito parece que vai explodir de alegria. A vitória garante a chance de ser a líder do campeonato e hoje foi um dia especial.

— O áudio está aberto, chefe?

Está fechado agora.

— Essa vitória é para você, piloto. — Eu sei que ele está me acompanhando e não quis contar que assisti algumas corridas dele nos últimos dias. Até fiz uma ultrapassagem no estilo Speranzi de ser. Só espero que ele um dia confie em mim, assim como eu confio nele.

Assim que entro no boxe e visto a minha máscara misteriosa, encontro o seu olhar e o seu sorriso. Ele me faz uma reverência e vai com o pelotão para a área do pódio. Toda a festa do pódio demora demais e quando consigo voltar para me trocar, encontro apenas o chefe da equipe, alguns funcionários finalizando o fechamento e Guto, sentado no capô do meu carro.

Tiro a máscara e os cabelos rebeldes caem mais uma vez do coque.

— Você não sabe o quanto esse gesto é sexy, Amapola.

— Não tenho culpa se eles são rebeldes.

— Então você sabe o que causa nos homens com isso. Faz de propósito, aposto.

— Não faço com a intenção de seduzir. Faço isso para mostrar que uma mulher pode estar onde ela deseja estar, mesmo quando tudo à sua volta tem um cheiro masculino. — O chefe da equipe pede licença.

— Finalizamos tudo aqui por hoje, senhorita Fischer. Podemos ir?

— Sim, obrigada pela competência. O Guto fecha a porta ao sairmos. Só vou me trocar.

— Bom descanso e mais uma vez, parabéns. A corrida foi formidável.

— Obrigada. Bom descanso. — Olho para o piloto.

— Vou me trocar e a gente já vai embora.

— Sem pressa.

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