12 - AUGUSTO SPERANZI

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Hoje é um dia especial para mim. Voltar ao autódromo de Interlagos, que eu já fui campeão, me traz boas e más lembranças. Claro que a Copa Brasil é bem pequena perto da Fórmula 3, mas esse movimento intenso nos bastidores é igual.

Amapola é uma outra mulher desde o embarque logo cedo em voo comercial. Curitiba fica a uma hora de avião e um carro já nos esperava. Ficamos em um hotel próximo ao autódromo e eu não quis atrapalhar e nem ser um peso a mais na sua bagagem. Acompanhei e anotei todos os horários de saída para treinos nos dois dias que ficaremos aqui, para estar pronto em todos os momentos.

Amapola se veste como um homem, escondendo sua verdadeira identidade. Confesso que sentir a emoção de estar em um ambiente que fez parte da minha vida por um longo tempo me deixa nostálgico.

O ronco dos motores, as correrias nas trocas de pneus e os ajustes finais a cada volta. Tudo é muito alucinante e cada detalhe vivido pulsa dentro de mim.

Amapola é enérgica, exigente, ela sabe o que está atrapalhando e cobra eficiência nos boxes. Sei que ela está ciente da minha presença, porque seus olhos procuram os meus, pedindo confirmação do que diz ou do que exige da equipe. Ela corre com um carro da XFI desenhado especialmente para fazê-la brilhar.

Seu carro apresenta problemas no câmbio de transmissão, o que a faz ficar em quinto lugar no grid de largada. Entra para o boxe soltando faíscas, mas não grita com a equipe como daquela vez. Pede agilidade na resolução do problema e me chama para irmos embora. Veste o moletom, amarra os cabelos e coloca o capuz. Eis a Fênix em ação.

Durante os dois dias de testes muitas pessoas me reconheceram e houve um burburinho por todo o autódromo. Fiquei até surpreso por ainda não ter sido esquecido pelas pessoas.

Entramos no carro, voltando para o hotel, e Amapola começa a relaxar e voltar a ser ela mesma.

— Tá tudo bem para você essa exposição?

— Para falar a verdade eu não sabia que se lembrariam de mim.

— Nenhum campeão é esquecido, Guto.

— Não se esqueça que fui um campeão que abandonou as pistas por ter sofrido um acidente grave. Fracassados não são assim tão populares.

— Não é isso que eu estou vendo. Aliás, o meu boxe esteve bem mais movimentado com a sua presença.

— Eu não quero atrapalhar a sua concentração, chefa.

— Exposição só atrapalha quem não é focado. Isso parece não ser o meu caso. Há uma especulação sobre a minha identidade e muitos até já sabem que sou eu atrás do volante. Eu sei me cuidar. — Chegamos ao hotel e subimos juntos no elevador. Quando ela desce no andar dela, seguro a porta para ela sair. Ela para no meio.

— É sério, Guto. Estou contente com a sua presença. Amanhã é um dia importante, preciso estar no pódio para me manter no páreo.

— Você vai estar lá. — Beijo suavemente seus lábios e ela caminha pelo corredor sem olhar para trás. Agradeço quando a porta fecha. Se ela me olhasse com desejo, faria mais uma loucura.

Nem saio do quarto à noite. É como se eu estivesse prestes a entrar na pista novamente. Minha mente me trai e me leva de volta para a minha primeira vitória na Fórmula 3, há oito anos.

Eu era apenas um jovem de vinte e dois anos, quando conquistei meu primeiro título no Kart Internacional. Tinha o patrocínio de um amigo do meu pai, Rolan, que perdeu um filho com uma doença rara e depositou em mim todos os seus anseios. Meu pai tentava me ajudar, mas esse esporte é muito caro e devo minha carreira a eles. Uma equipe mediana me chamou para uns testes e gostaram da minha agressividade.

Você é bom, garoto. Precisa apenas aprender a controlar essa sua ganância pelo primeiro lugar. Para chegar ao topo, você não pode passar por cima das pessoas. — Reinaldo me deu a oportunidade e nessa equipe, aprendendo a controlar a impulsividade para que ela me levasse mais longe, foi que aconteceu o primeiro pódio da minha vida.

Eu tinha largado em quinto lugar e ganhei uma posição depois de doze voltas. Vi um céu carregado de nuvens e apostei na troca de pneus antes dos primeiros colocados. Foi uma atitude kamikaze que deu certo, quando a chuva caiu e todos precisaram parar, eu assumi a ponta e lá fiquei até a bandeirada. O meu teste foi aprovado e eu passei a integrar a equipe como segundo piloto.

Foi nessa equipe que eu ganhei meu primeiro campeonato e foi nela que aprendi que aquilo que se conquista sem ganância e sem trapaças, tem mais gosto de vitória. Quando passei a integrar a equipe mais forte da categoria, todos os meus valores se modificaram.

Eu era o mesmo cara humilde de sempre. Gostava da vitória, mas tinha perdido aquela sede gananciosa de vencer a qualquer custo.

Só não sabia que o amor por uma mulher me mudaria para sempre.

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