9 - AMAPOLA FISCHER

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Louca... só posso estar louca. Nunca ataquei um cara desse jeito. Nem quando tinha dezoito anos e os hormônios estavam em alta. Também nunca senti o que aconteceu quando encontrei os seus lábios.

São três anos entre namoro e noivado com Enrico, e nunca vivi algo tão explosivo com ele. Isso está me fazendo questionar minhas atitudes e essa relação. Será que eu estou fugindo das emoções? Estou em um romance que não cobra entrega e assim eu posso me dedicar ao que mais amo na vida, carros e corridas?

Alguém bate à porta da minha sala.

— Pode falar, Sander.

— Remapeamos a eletrônica do controle de tração. Quer testar o carro? — Agora eu não consigo a concentração necessária para o teste. Estar dentro de um carro acelerando ainda está bem vivo em mim.

— Fala para o Guto testar. Depois dos testes pede para ele subir e detalhar o que sentiu. — São mais de quatro horas da tarde quando ele bate à minha porta. Quando entra, um pouco sem jeito, não deixo esse clima pesar.

— E aí, piloto? Qual o seu veredito?

— Mais uma vez, a chefa estava certa. Matou o defeito. Quando os meninos falaram que você era foda, fiquei com o pé atrás, mas já percebi que eles não fizeram jus a sua fama.

— Amo muito isso aqui. É a minha vida e o que me move. Claro que tem as corridas, que são um complemento de tudo. Sente-se aí, Guto. — Ele obedece. Claro que sim, afinal sou a líder dele.

— Não quero que você pense que sou uma pessoa leviana que sai beijando quem encontra pela frente. Você desperta o meu lado irracional e agi por impulso movida pela emoção da corrida. Não estou me justificando, só quero que você saiba que Enrico e eu demos um tempo. Eu estou confusa e não sei mais se quero me casar com ele. — O sorriso sarcástico em seu rosto me irrita. Deve estar se achando o foda, por ter me feito repensar meu noivado.

— É agora que o seu pai vai me matar.

— O que meu pai tem a ver com isso? Ahh... claro, o abençoado neto. Sem casamento, sem neto e sem neto, talvez a sua contratação seja dispensável. — Ele ri na minha cara. Filho da puta.

— Acha engraçado?

— Nem um pouco. Para falar a verdade fico feliz que você tenha se disposto a pensar. Casamento é indissolúvel. Não é algo para se fazer se não tem certeza.

— Você já foi casado? — Vejo pelo seu semblante que o assunto não é agradável. Mesmo assim, ele não foge da resposta.

— Sim, já passei por essa experiência e antes que se questione, ele foi por conveniência. Durou o tempo que tinha que durar. — Apoio-me na cadeira, analisando a tensão que o assunto trouxe para o seu corpo. Desde a cabeça até os pés.

— Eu não penso assim. Se algo não funciona não adianta ficar junto. É claro que é muito melhor acertar, mas não acho algo eterno. Como diz a música: que seja eterno enquanto dure esse amor.

— Talvez você esteja certa, Amapola. Só que saber que você está sem ninguém, não me fez ficar em uma posição confortável.

— Por que diz isso?

— Deixe isso pra lá. Quer andar no carro?

— Acho que hoje não. O dia foi cansativo. Ainda tenho um compromisso à noite.

— Nossa... você me lembrou que também vou sair. — Ele se levanta e acena para mim. — Bom descanso, chefa.

— Valeu. — O que será que ele quis dizer com não estar confortável? Deixo isso para lá. Pego minha bolsa e vou para casa. Aproveito que vou jantar com o velho para contar que Enrico e eu demos um tempo. Só espero que ele entenda e me deixe viver a vida.

Tomo um banho e faço uma chapinha nos cabelos, deixando-os bem lisos. Coloco um vestido longuete e pego um casaquinho para não passar frio na volta. Lembro que saí da barra da calça do meu pai há dois anos. Quando completei vinte e seis anos coloquei na cabeça que precisava ser independente, principalmente para namorar à vontade. Estava apaixonada por Enrico quando aceitei namorá-lo. Nós nos conhecemos na faculdade, mas voltamos a nos encontrar quando a empresa do seu pai passou a prestar serviços de tecnologia para a XFI. Nós tínhamos muita coisa em comum.

O que mudou nos últimos tempos? E essa história com a secretária, o quanto tem de mentira nela? Isso eu vou ter que ver com os meus próprios olhos. Talvez eu faça uma viagem de fim de semana surpresa quando ele estiver na filial de Nova Iorque.

Quando chego à casa do meu pai tenho uma baita surpresa. Ele está dentro do spa fazendo hidromassagem.

— Pai, isso são horas de relaxar?

— Oi, querida. O dia está muito quente hoje. Não aguentei o calor. Meus pés incharam e resolvi fazer uma massagem. Uma coisa leva a outra, então mandei arrumar a mesa aqui fora para nós. Alguma objeção?

— Claro que não, velhote. O importante é estarmos juntos.

— Então vem aqui comigo, Ama. Depois jantamos. — Ele está com a razão. O dia foi mesmo tenso e o entardecer está quente. Aceno que sim e subo para procurar um biquíni. Acho um vermelho com detalhes dourados e visto. Olho no espelho e aprovo. Não tenho do que me queixar do meu corpo. Sou magra, com os seios e bunda harmoniosos. Acho-me um pouco baixa, mas uso o salto para compensar essa falha. Tanto trabalho para fazer uma chapinha e agora, com a umidade, ele voltará a rebeldia.

Desço correndo a escada e encontro as luzes da varanda acesas e Noêmia à mesa.

— Oi, Noêmia.

— Olá, minha menina. Que saudades. — Ela me abraça com amor e para mim ela foi a minha mãe. Esteve sempre presente na minha vida desde que mamãe virou estrelinha.

— Eu também. Demorei para aparecer dessa vez por causa das corridas.

— Vá lá com seu pai que eu tenho que arrumar tudo por aqui. O velho mudou de lugar de uma hora para a outra.

— Não precisa de luxo, somos só nós dois hoje. — Ela me olha estranho e depois chacoalha a cabeça voltando para os seus afazeres. Entro no spa com meu pai.

— Que delícia, pai. Estava mesmo precisando disso.

— Eu sei, fiquei sabendo que a bonequinha tirou o brinquedinho da garagem. Fazia tempo que não brincava com ele.

— Culpa do novo piloto. Ele quis dar uma volta sem saber de quem era o carro. Coloquei-o em teste e ele é mesmo bom, pai. — Bom demais, até.

— Isso eu já sabia, Ama. Está no nosso time pelo seu talento e bom trabalho por aí. — Resolvo cutucar a onça.

— Pensei que ele estava lá para me livrar do trabalho pesado e assim ter tempo de aumentar a família.

— Espero que ele tenha mesmo conseguido esse feito. Eu estou ficando velho, filha. Quero netos, herdeiros.

— Pai, aproveitando o tema, preciso conversar com o senhor.

— Pela sua cara, não é assunto agradável. Pega uma água para o seu pai antes. — Saio do spa e vou até a entrada da varanda e peço água para a Noêmia, para não molhar o chão. Enquanto espero vejo a mesa posta com quatro lugares arrumados.

Quando ela me entrega o copo e eu viro para questionar meu pai, sou surpreendida duplamente.

— Que bom que vocês chegaram, rapazes. Teremos um tempo para tomarmos um drinque antes. — E eu nem posso estrangular o velhote com tantas testemunhas oculares.


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