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EU TINHA SIDO CRIADO num primeiro andar. Todo o meu conhecimento do campo fizera nuns passeios de bonde a Dois Irmãos.

E era com olhos de deslumbrado que olhava então aqueles sítios, aquelas mangueiras e os meninos que via brincando por ali. As divergências de meu pai com meu avô nunca permitiram à minha mãe fazer uma temporada no engenho. Minha imaginação vivia assim a criar esse mundo maravilhoso que eu não conhecia. Sempre que perguntava a minha mãe por que não me levava para o engenho, ela se desculpava com o emprego de meu pai. Daí a impressão extraordinária que me iam causando os mais insignificantes aspectos de tudo o que estava vendo.

Depois do café mandaram-me para o engenho, que estava nos fins da moagem. Eram uns restos de cana que aproveitavam.

— Quase que você não pega o engenho safrejando — me disse o tio Juca.

Ficava a fábrica bem perto da casa-grande. Um enorme edifício de telhado baixo, com quatro biqueiras e um bueiro branco, a boca cortada em diagonal. Não sei por que os meninos gostam tanto das máquinas. Minha atenção inteira foi para o mecanismo do engenho. Não reparei mais em nada. Voltei-me inteiro para a máquina, para as duas bolas giratórias do regulador. Depois comecei a ver os picadeiros atulhados de feixes de cana, o pessoal da casa de caldeiras. Tio Juca começou a me mostrar como se fazia o açúcar. O mestre Cândido com uma cuia de água de cal deitando nas tachas e as tachas fervendo, o cocho com o caldo frio e uma fumaça cheirosa entrando pela boca da gente.

— É aqui onde se cozinha o açúcar. Vamos agora para a casa de purgar.

Dois homens levavam caçambas com mel batido para as formas estendidas em andaimes com furos. Ali mandava o purgador, um preto, com as mãos metidas na lama suja que cobria a boca das formas. Meu tio explicava como aquele barro preto fazia o açúcar branco. E os tanques de mel de furo, com sapos ressequidos por cima de uma borra amarela, me deixaram uma impressão de nojo.

Andamos depois pela boca da fornalha, pela bagaceira coberta de um bagaço ainda úmido. Mas o que mais me interessava ali era o maquinismo, o movimento ronceiro da roda grande, e a agitação febril das duas bolas do regulador.

Quando vieram me chamar para o almoço, ainda me encontraram encantado diante da roda preguiçosa, que mal se arrastava, e as duas bolas alvoroçadas, que não queriam parar.

Menino de Engenho (1932)Onde histórias criam vida. Descubra agora