ERA UM MENINO TRISTE. Gostava de saltar com os meus primos e fazer tudo o que eles faziam. Metia-me com os moleques por toda parte. Mas, no fundo, era um menino triste. Às vezes dava para pensar comigo mesmo, e solitário andava por debaixo das árvores da horta, ouvindo sozinho a cantoria dos pássaros.
O meu esporte favorito concorria para estes isolamentos de melancólico. Eu andava pegando pássaros no alçapão. E, escondido, passava horas inteiras na expectativa do sucesso. Via o canário chegar, pousar em cima da gaiola, trocar suas carícias com o prisioneiro, lastimar a sorte daquele pobre amigo, e depois subir para o alçapão armado, fitar o milho dentro da armadilha, demorar um bocado, na indecisão de quem vai dar um grande passo na vida, e cair na cadeia. Mas isto demorava horas a fio. Muitos chegavam, examinavam tudo, punham o bico quase dentro do alçapão, e iam-se embora, bem senhores do que se preparava para eles. Enquanto os canários vinham e voltavam, eu me metia comigo mesmo, nos meus íntimos solilóquios de caçador. Pensava em tanta coisa... E um rastejar de calangro nas folhas secas fazia um ruído de coisa grande bulindo.
Pensava então naquilo que junto de gente eu não podia pensar. Já estava no engenho há mais de quatro anos. Mudara muito desde que viera de Recife.
— Para o ano — diziam — iria para o colégio.
E o que seria esse colégio? Os meus primos contavam tanta coisa de lá, de um diretor medonho, de bancas, de castigos, de recreios, de exercícios militares, que me deixavam mesmo com vontade de ir com eles. Mas o engenho tinha tudo para mim. Tia Maria tomava conta de mim como se fosse mãe. E a lembrança de minha mãe enchia os meus retiros de cinza. Por que morrera ela? E de meu pai, por que não me davam notícias? Quando perguntava por ele, afirmavam que estava doente no hospital. E o hospital ia ficando assim um lugar donde não se voltava mais. Via gente do engenho que ia para lá, com carta do meu avô, não retornar nunca. E as negras quando falavam do hospital mudavam a voz: "Foi para o hospital." Queriam dizer que foi morrer.
Tinha um medo doentio da morte. Aquilo da gente apodrecer debaixo da terra, ser comido pelos tapurus, me parecia incompreensível. Todo mundo tinha que morrer. As negras diziam que alguns ficavam para semente. Eu me desejava entre estes felizardos. Por que não podia ficar para semente? Dentro de um navio, enquanto o mundo todo se acabasse. E nesse barco eu me via cercado de tudo que era bicho, e a minha tia Maria, a negra Generosa, a vovó Galdina, o meu avô, tudo que me amava estaria comigo. Esta horrível preocupação da morte tomava conta da minha imaginação.
Uma ocasião estava morrendo no engenho um trabalhador. Levaram-me para vê-lo, estendido na esteira, com a boca meio aberta, arquejando. O homem estava na hora da morte. Aquele rosto lívido e molhado, aqueles olhos revirando, e a boca caída não me fizeram dormir à noite. Acordei aos gritos, com o homem do engenho perto de mim.
— Não deviam ter levado este menino para ver essas coisas!
E a morte deixou essa imagem gravada em minha memória. Vira também a prima Lili no seu caixãozinho de rosas. Mas não parecia morta a minha pobre prima. Ela fora assim mesmo em vida, tão branca, que morta mudara pouco.
O homem do engenho não me deixava ficar sozinho no escuro. Era ele que eu via quando se apagava a luz para dormir. E só podia dormir com uma pessoa junto de mim. Fiquei um menino medroso. De dia, porém, esperando os meus canários, amava a solidão. Era ela que deixava falar o que eu guardava por dentro — as minhas preocupações, os meus medos, os meus sonhos. O mundo de um menino solitário é todo dos seus desejos. Tudo eu queria ter nesses meus retiros: o tesouro da história de Trancoso, o cavalinho de sela, aquela vara mágica das fadas, que virava em tudo que a gente quisesse. Eu desejava também que a velha Sinhazinha morresse. Então começava a ver a minha inimiga trucidada, com os cavalos desembestados puxando-lhe o corpo pelos espinhos.
Sentia um prazer sem limites quando me caía um canário no alçapão. Não ia para o almoço, entretido com a gaiola da chama. Procuravam-me por toda parte. Minha tia Maria ameaçava de soltar tudo quanto era passarinho.
— Nem come mais, só pensando em canários...
Absorvia-me inteiramente com o esporte cruel. Deixava os moleques e os primos para um canto. Mas os meus canários não cantavam. Via-os soltos, com trinados de estalos, dando os seus concertos nos galhos das árvores. Nas gaiolas, irremediavelmente mudos. Faziam greve contra mim. Tratava deles com cuidados maternos. Limpava-lhes as gaiolas, pisava-lhes milho — e nada, calados de vez. Dependurava-os então pelos pés de pau, para ver se os enganava com esse contato com os palcos dos seus dias de festa. E mudos sempre. Os meus pássaros só trabalhavam ao bom preço da liberdade.
As negras me ameaçaram:
— Judiar com passarinho bota as pessoas pro inferno, menino. Deus Nosso Senhor fez os pássaros foi pra cantar no mato, soltinhos.
Porém os grandes dias de glória da minha infância me deram o meu alçapão, escancarado aos ingênuos canários do Santa Rosa.