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DEPOIS DO JANTAR O meu avô sentava-se numa cadeira perto do grande banco de madeira do alpendre. O gado não havia chegado do pastoreador. Lia os telegramas do Diário de Pernambuco ou dava as suas audiências públicas aos moradores. Era gente que vinha pedir ou enredar. Chegavam sempre de chapéu na mão com um "Deus guarde a Vossa Senhoria". Queriam terras para botar roçados, lugar para fazer casas, remédio para os meninos, carta para deixar gente no hospital. Alguns vinham fazer queixa dos vizinhos.

— Não podiam ter um pau de roça, com os animais do outro destruindo. Os porcos andavam fossando os leirões de batatas e os filhos chupando as caninhas verdes. Não tinham mais paciência, vinham se queixar porque não queriam fazer uma desgraça.

— Vou mandar chamar aqui o Chico Carpina. Quero saber como isto é mesmo.

E ficavam pela banca conversando com as negras, contando dos seus aperreios à tia Maria, chamando-a para madrinha de mais um filho.

Outros vinham a chamado do meu avô. Porém tudo o que diziam dele era mentira. Nunca vendera um quilo de algodão na balança do Pilar. Nem estava criando animais de outros engenhos nos pastos da fazenda. Se fosse verdade podia tocar fogo nos seus troços e botar o gado dentro do seu roçado.

O meu avô chamava-os de ladrões, de velhacos e nem mostravam cara de aborrecidos. Parecia que aquelas palavras feias na boca do velho José Paulino não quisessem dizer coisa nenhuma. Muitos vinham arranjar carros do engenho para fazer mudanças, e alguns dar conta de suas meações com o senhor ou pagar o foro do ano. A todos o meu avô ia dando uma resposta ou passando uma descompostura, mas cedendo sempre no que eles pediam.

Uma vez chegou um homem de cara diferente. Estava ali para pedir a proteção do coronel. Tinha matado um sujeito no Oiteiro, e correra para se valer do meu avô. O velho quis saber do crime. Havia sido por questão de mulher.

— Vá se entregar ao delegado. Eu não acoito criminoso. Se matou com razão vai para a rua. Aqui não quero que fique. No júri protejo. Entregue-se à Justiça. Conte a sua história ao juiz. No meu engenho nunca protegi criminoso. Quando a gente está de cima, muito bem. Caiu, lá vem a polícia cercando a propriedade. Não estou para isto. Outro dia o tenente Maurício entrou nas terras do Quincas do Jatobá para prender um criminoso, e surrou uns moradores que nada tinham com o fato.

Pela estrada iam passando os matutos que voltavam das feiras. Nas terças, em Itabaiana, aos sábados, no Pilar. O meu avô chamava-os para saber quanto dera a cuia de farinha ou a arroba de algodão. Davam notícia de tudo — do preço dos gêneros e dos boatos que corriam:

— Feijão-verde de graça, de fazer lama. O coronel Nô Borges vai cair na política. A polícia está prendendo o povo do doutor Odilon. Os matutos não podem mais entrar de camisa por fora das calças nas ruas, nem estalar o chicote tangendo os animais. Tem descido muito gado magro do sertão. A carne de sol a dois e oito. O doutor Ribeirinho comprou duzentas reses para a solta. Feira ruim, a do Pilar. O povo anda com medo de Antônio Silvino. Mataram somente dois bois, e sobrou carne no açougue.

E com pouco mais apontava o gado chegando do pastoreador. O meu avô levantava-se para ver de perto as vacas e os bois de carro de barriga cheia. Indagava aos moleques em que pasto estiveram. Mandava curar as bicheiras dos animais. Havia sempre um boi ladrão chegando fora de hora.

Menino de Engenho (1932)Onde histórias criam vida. Descubra agora