UMA TARDE, CHEGOU UM portador num cavalo cansado de tanto correr, com um bilhete para o meu avô. Era um recado do coronel Anísio, de Cana Brava, prevenindo que Antônio Silvino naquela noite estaria entre nós. A casa toda ficou debaixo do pavor.
O nome do cangaceiro era bastante para mudar o tom de uma conversa. Falava-se dele baixinho, em cochicho, como se o vento pudesse levar as palavras.
Para os meninos, a presença de Antônio Silvino era como se fosse a de um rei das nossas histórias, que nos marcasse uma visita. Um dos nossos brinquedos mais preferidos era até o de fingirmos de bando de cangaceiros, com espadas de pau e cacetes no ombro, e o mais forte dos nossos fazendo de Antônio Silvino.
Naquela noite íamos tê-lo em carne e osso. Meu avô é que era o mesmo. Aquele seu ar de tranquilidade poucas vezes eu via alterar-se. A velha Sinhazinha para dentro e para fora, nas suas ordens para o jantar, gritando para os negros e os moleques com a mesma arrogância incontentável. Tia Maria ficava no seu quarto a rezar. Tinha muito medo dessa gente que vivia no crime. Quando me viu a seu lado, abraçou-me, chorando.
Não havia, porém, perigo de espécie alguma. Antônio Silvino vinha ao engenho em visita de cortesia. Um ano antes ele estivera na vila de Pilar noutro caráter. Fora ali para receber o pagamento de uma nota falsa que o coronel Napoleão lhe passara. E não encontrando o velho, vingara-se nos seus bens com uma fúria de vendaval. Sacudiu para a rua tudo o que era da loja, e quando não teve mais nada a desperdiçar, jogou do sobrado abaixo uma barrica de dinheiro para o povo. Mas com meu avô, o bandido não tinha rixa alguma. Naquela noite viria fazer a sua primeira visita.
À noitinha chegava o bando à porta da casa-grande. Vinha Antônio Silvino na frente; os seus 12 homens a distância. Subiu a calçada como um chefe, apertou a mão do meu avô com um sorriso na boca. Levado para a sala de visitas, os cabras ficaram enfileirados na banda de fora, numa ordem de colegiais. Só ele tomava intimidade com os de casa. Ficávamos nós, meninos, numa admiração de olhos compridos para o nosso herói, para o seu punhal enorme, os seus dedos cheios de anéis de ouro e a medalha com pedras de brilhante que trazia no peito. O seu rifle pequeno, não o deixava, trazendo-o entre os joelhos.
À hora do jantar foram todos para a mesa. Ele na cabeceira, e os cabras em ordem, todos calados, como se estivessem com medo. Só ele falava, contava histórias — o último cerco que os macacos lhe deram em Cachoeira de Cebola — numa fala de tátaro, querendo fazer-se de muito engraçado.
Alta noite foi-se com o seu bando. Para mim tinha perdido um bocado do prestígio. Eu o fazia outro, arrogante e impetuoso, e aquela fala bamba viera desmanchar em mim a figura de herói.
No outro dia o meu primo Silvino nos contou que tinha se lembrado de dizer ao cangaceiro que a tia Sinhazinha não gostava dele. É que nos falavam sempre de uma velha que Antônio Silvino fizera dançar nua, dando umbigadas num pé de cardeiro, por motivo semelhante. Se isto tivesse acontecido com a velha Sinhazinha, os moleques, as negras e os meninos do Santa Rosa teriam dormido uma noite de grande.
