A ESTRADA DE FERRO passava no outro lado do rio. Do engenho nós ouvíamos o trem apitar, e fazia-se de sua passagem uma espécie de relógio de todas as atividades: antes do trem das dez, depois do trem das duas.
Costumávamos ir para a beira da linha ver de perto os trens de passageiros. E ficávamos de cima dos cortes olhando como se fossem uma coisa nunca vista os horários que vinham de Recife e voltavam da Paraíba. Mas nos proibiam esse espetáculo com medo das nossas traquinagens pelo leito da estrada. E tinha razão de ser tanta cautela: um dos lances mais agoniados da minha infância eu passei numa dessas esperas de trem. O meu primo Silvino combinara em fazer virar a máquina na rampa do Caboclo. Já outra vez, com um pano vermelho que um moleque pregara num pau, um maquinista parara o horário das dez. Agora o que meu primo queria era um desastre. E botou uma pedra bem na curva da rampa. Nós ficamos de espreita, esperando a hora. Quando vi o trem se aproximar como um bicho comprido que viesse para uma armadilha, deu-me uma agonia dentro de mim que eu não soube explicar. Parecia que eu ia ver ali perto de mim pedaços de gente morta, cabeças rolando pelo chão, sangue correndo no meio de ferros desmantelados. E num ímpeto, com o trem que vinha roncando pertinho, corri para a pedra e com toda a minha força empurrei-a pra fora. Um instante mais ouvi o ruído da máquina que passava. Fiquei sozinho, ali no ermo da estrada de ferro. Os meus primos e os moleques tinham corrido. Meu coração batia apressado. Parecia que eu era o único culpado daquela desgraça que não acontecera. Comecei a chorar com medo do silêncio. Muito de longe o trem apitava. E banhado pelas lágrimas andei para casa. Nunca mais em minha vida o heroísmo me tentaria por essa forma.