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COM UNS DIAS MAIS eu já estava senhor de minha vida nova. Tinham chegado para passar tempo no engenho uns meus primos, mais velhos do que eu: dois meninos e uma menina. Agora não era só com os moleques que me acharia. Meus dois primos, bem afoitos, sabiam nadar, montar a cavalo no osso, comiam tudo e nada lhes fazia mal. Com eles eu fui aos banhos proibidos, os de meio-dia, com a água do poço escaldando. E então nós ficávamos com a cabeça no sol, enxugando os cabelos, para que ninguém percebesse nossas violações.

— Você está um negro — me disse tia Maria. — Chegou tão alvo, e nem parece gente branca. Isto faz mal. Os meninos de Emília já estão acostumados, você não. De manhã à noite, de pés no chão, solto como um bicho. Seu avô ontem me falou nisto. Você é um menino bonzinho, não vá atrás destes moleques para toda parte. As febres estão dando por aí. O filho do seu Fausto, no Pilar, há mais de um mês que está de cama. Para a semana vou começar a lhe ensinar as letras.

Mas os primos não paravam. De manhã íamos com os moleques lavar os cavalos, e aí passávamos horas inteiras dentro d'água.

Galinha gorda,
gorda é ela;
vamos comê-la,
vamos a ela.

E sacudiam a pedra dentro do poço, mergulhando para pegá-la no fundo. Espanavam a água com os cangapés ruidosos, e saía sempre gente chorando, com enredos para casa. O dia todo passávamos assim, nessa agitação medonha.

Menino de Engenho (1932)Onde histórias criam vida. Descubra agora