O MEU AVÔ RECEBERA uma carta sobre o meu pai. Soube disto por uma conversa dele com o tio Juca. Não sabiam que eu estava na sala de visitas olhando umas revistas velhas — e conversavam. O diretor do hospício escrevera, perguntando se o meu pai continuaria como pensionista, pois os parentes dele há meses que haviam suspendido a mesada.
— Acho que o senhor deve pagar. Afinal de contas, é seu genro!
— Foi isto mesmo o que eu fiz. Escrevi ao Lourenço para tomar conta disto todos os meses.
Foi um choque para mim essa certeza da desgraça de meu pobre pai. Sabia que estava doente, mas assim, quase na indigência, me tocou fundamente. Contei a tia Maria o que escutara da conversa. Ela não me quis dizer coisa nenhuma.
— Isto não é assunto para menino. Vá brincar lá fora.
Não achei graça em nada, nesse dia. Só pensava no meu pai amarrado num quarto, gritando.
Chegara uma vez um doido no engenho, para ser levado para o asilo. O homem olhava a gente como se quisesse comer com os olhos, e fazia um esforço desesperado para soltar os braços amarrados de corda. De noite cortavam o coração os seus gritos agoniados. Quando saiu de manhã para o trem, fui olhá-lo. Estava manso, com um sorriso de menino na boca.
— O diabo tinha saído do corpo — diziam.
O meu pai devia ser assim também. Devia estar trancado num quarto de grades, com aqueles gritos de desespero, tratado como animal perigoso.
— Eles vão para o céu — afirmavam dos doidos. — São inocentes como os anjos.
Havia, porém, doidos que o eram por influência do diabo. Metiam-se com invocações, e o demônio tomava conta do corpo.
O meu pai, sem dúvida, não seria destes. Seria inocente como os outros, e iria para o céu. E isto me consolava um bocado de sua situação. Mas os doidos começavam a tomar conta de mim de uma maneira absorvente. E comecei a ter medo de ficar doido também. No engenho todo mundo falava:
— Fulano puxou ao pai, é a cara da mãe, tem o gênio da família.
Quem sabe se eu não ficaria como meu pai? Punha-me triste com estes pensamentos sombrios.
— É porque a namorada foi-se embora.
A lembrança do homem amarrado de cordas, e com aqueles olhos de cachorro doente, machucava a minha tenra sensibilidade. Essas preocupações de doença, começadas na infância, iriam ser uma das torturas de minha adolescência.
Um médico que veio ao engenho me examinou de meu puxado. Perguntou por tudo, de que morrera minha mãe, de que sofria meu pai. Disse então que era preciso um tratamento rigoroso para o meu caso, fazer uma série de injeções. E porque não se pudesse aplicar ali no engenho o seu tratamento, passaria uns remédios internos.
Fiquei preso aos horários dos frascos de mezinhas e às dietas exageradas. O meu avô com cuidados. Ninguém brigava comigo. Certa ocasião o primo Silvino queria uma coisa que eu também desejava. Deram-me, e porque o meu primo protestasse:
— Carlinho é doente, ninguém pode fazer raiva a ele.
Isso aumentava o meu desengano, as minhas desconfianças em mim mesmo. Voltei-me para os canários e o carneiro. Eles não me falavam de doenças, não tinham medo de que eu morresse. Eram também as meditações solitárias e as conversas mudas com o meu íntimo que voltavam. Já não ia mais aos banhos de rio, brigavam quando me viam no sol, não podia ficar de noite na conversa pela senzala.
— Entra pra dentro, Carlinho.
Era o que eu ouvia de todos os lados. A minha vida ia ficando como a dos meus canários prisioneiros, enquanto os meus primos se soltavam e um magnífico verão se abria em dias de festa de sol, em noites brancas de lua cheia. Não me queriam levar para parte alguma. Os moleques tinham medo de andar comigo.