A fome da Fúria

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Empunhando as duas espadas, ela avançou sem nem pensar duas vezes em direção ao enorme homem, saltando no instante em que a espada dele vinha em sua direção e pulando por cima dele. Usava as duas espadas para fincar sobre os ombros dele, caindo sobre o peito do mesmo. A criatura mal se moveu e apesar do sangue verter de suas vestes ele mal pareceu se importar, uma das mãos soltava a espada e agarrava a garota, os dedos enormes se fechando em volta de sua cabeça. Alessia ainda segurava uma das espadas, o qual a pegava para atravessar o pulso dele, mas ainda assim ele nem parecia sentir, até que ele a soltou, praguejando. Alessia caiu ajoelhada sobre o chão, os olhos se voltando a frente a tempo de ver uma flecha que havia acertado o olho do monstro.

— VOLTA AQUI SUA DEMENTE! ATÉ EU VOU TER QUE SALVAR A SUA VIDA? — O grito amedrontado de Cornnell surgiu atrás de si, mas ao contrário do que ele esperava aquilo só alimento a fera dentro dela.

Salvar sua vida. Todos tinham que salvar a sua vida? Ela era fraca, não possuía poder, não podia se transformar, nem usar magia, não tinha grande força para lutar contra aqueles monstros por que era apenas uma inútil humana. Sua mãe havia morrido por isso, e agora Faer havia morrido para protegê-la, porque ela era fraca demais. Por que não havia escutado seus instintos, não havia deixado a fera sair, não havia ido até o castelo.

"Venha para mim... eu te darei o poder que precisa... eu te tornarei forte..."

Aquelas palavras foram o que a jovem precisava, voltou a se pôr de pé, à destra apertava com força o cabo da espada, a outra ainda se encontrava presa ao peito dele. Ignorou o comando de seu irmão e voltou a investir contra a criatura, mas dessa vez não saltou sobre ele, mas deixou que seu corpo deslizasse sobre o solo entre as pernas da criatura, ficando atrás dela. Com a espada em punho, acertou a parte de trás de suas pernas, girando o corpo de forma a também lhe cortar as costas. O monstro urrou de dor, mas estava longe de ser derrotado, por isso Serghei desistiu da ideia de resgatar a irmã, e se juntar a ela, de maneira a impedir que a criatura usasse sua espada novamente, acertando em sua mão quando estava prestes a puxá-la. Sabiam que se ele voltasse a atacar iria matá-los, e por isso tinham que se juntar para destruí-lo o quanto antes se quisessem viver. Ao longe Cornnell voltou a acertá-lo com as flechas, distraindo-o enquanto Alessia impulsionava o corpo em um salto, sua ideia era lhe atingir o coração, mas ele havia sido mais rápido do que ela e girou o corpo de forma a evitar o ataque, fazendo ela cair do outro lado.

Alessia rolou uma vez no chão antes de parar usando o pé direito sobre o solo para apoiar o corpo, a mão segurando a espada. Estava agachada, mas tão logo o corpo parou e ela novamente se lançou sobre o inimigo. Naquele estado, Alessia não via nada, além da raiva insana que lhe consumia que nem sequer notou o movimento do grandalhão. Com a mão ele puxou a espada, em um movimento de circular de trás para a frente, passando por cima do corpo que se não tivesse sido empurrada para o lado por seu irmão ela certamente teria sido transformada em dois naquele momento. A espada batia contra o solo com um forte estrondo, causando um buraco enorme onde havia atingido. Não que isso tivesse importância para ela, pois no instante seguinte teria voltado a atacá-lo se não fosse pelos braços fortes de seu irmão.

—Pelo amor dos Deuses Alessia, se controla... você não está me ouvindo? VOCÊ VAI MORRER! — Gritou Serghei lhe segurando pela cintura. Sua irmã sempre fora leve, mas naquele momento se tornava quase impossível mantê-la sobre o braço enquanto parecia tentar escapar de todas as formas.

—Me solta seu porco miserável! EU VOU MATÁ-LO, VOU CORTÁ-LO EM PEDACINHOS! EU VOU...

Suas palavras foram interrompidas no momento em que Serghei a jogou para o lado bem a tempo de levar ambas as mãos a espada e aparar um segundo golpe, o corpo do mesmo foi arrastado para trás até que conseguisse mantê-lo contra sua espada. Um silêncio se instalou e um clique foi ouvido até que a espada de Serghei se partiu e caiu em vários pedaços de metal sobre o chão. Tudo aconteceu rápido demais, e ao mesmo tempo se movia lentamente, Alessia se pôs a correr em direção ao irmão, mas seria tarde demais, ela sabia que seria tarde. Parecia que o Caminhante sabia que a espada iria se quebrar e com isso já havia lhe direcionado as garras de suas mãos enormes e sabia que partiria Serghei ao meio, ao menos era isso que devia ter acontecido mas as garras acertaram algo que parecia ser um escudo.

Um mago havia conjurado um escudo sobre Serghei, Gregori surgia à frente das tropas, os soldados foram deixados para trás enquanto ele junto a um mago ao lado se postaram à frente do inimigo. As hordas inimigas pareciam finalmente estar regredindo graças às tropas auxiliares além do vale, que agora atacavam todos eles pelos flancos e acabando por afastar os guerreiros. Faltavam apenas alguns grupos remanescentes e aquele problema maior, entretanto apesar do tamanho e da montante que segurava, Gregori não parecia se intimidar. E com um salto ele avançou contra o Caminhante, que sentindo o perigo ergueu a espada para parar o ataque de Gregori. A espada do rei era muito menor que a montante, mas mesmo assim e com todo seu tamanho o gigante ainda foi empurrado para trás pelo poder do ataque. Mal os pés do rei tocou o chão e ele voltou a atacar, aquela era uma das poucas vezes que seus filhos viriam seu pai entrar em ação. Os ataques eram violentos e a cada golpe fazia a criatura ser forçada a recuar até que, com um deslize, a cabeça da monstruosidade caiu sobre o chão. O corpo caiu logo em seguida, manchando o resto das folhagens, Gregori andou até o corpo e cravou sua espada sobre o coração, o corpo se contorceu por uns instantes e depois ficou imovel, como se estivesse morto. O rei retirou o capacete colocando em baixo do braço e então olhou à sua volta, somando quantos mortos havia, parecendo bastante irritado, deixando a espada ali ele foi em direção a Alessia. A garota ainda estava atônita, olhando fixamente para a criatura no chão quando seu pai parou bem a sua frente e lhe deu um forte tapa sobre o rosto.

— Quando dermos a ordem de ficar dentro da muralha e não sair de lá você deve obedecer! Está vendo essas mortes? Eles morreram por sua causa! Sua culpa! Se tivesse recuado quando foi mandado, a maioria deles ainda estariam vivos! Eles ficaram para lhe proteger! — As palavras duras parecia reacender a ira e o ressentimento dentro de si, seus olhos se voltando para o corpo de Faer, seus dentes trincaram enquanto o respondia.

— Minha culpa? Faer morreu! Eles morreram para defender essa porcaria de torre... se tivéssemos voltados para o castelo...

— FAER MORREU POR QUE VOCÊ VEIO AQUI PARA FORA! VOCÊ NÃO SERÁ MANDADA DE VOLTA PARA LÁ ALESSIA, NÃO A NADA PARA NOS LÁ! VOCÊ NÃO VOLTARÁ PARA O CAMPO DE BATALHA NUNCA MAIS!

As palavras de seu pai continuavam a alimentar aquela raiva, culpa dela? Como poderia ser culpa dela? Ela estava ali para fazer o que treinou toda sua vida para fazer, para proteger a todos, e eles morreram por que ela não tinha esse poder... não... era impedida de ter aquele poder.

"Venha... venha para mim... o poder que tanto deseja está aqui..."

Uma aura negra começou a surgir sobre a garota, envolvendo-a, os dentes cerrados fazia com que as palavras que sibilava saíssem baixo e o corpo da garota voltava a se contorcer conforme ela dava lentamente um passo ou dois em direção ao pai que começava a se afastar de costas para ela.

— Como... como ousa... dizer que é minha culpa... seu velho eunuco... Se não fosse tão covarde e me deixasse fazer aquilo que não foi capaz... nada disso estaria acontecendo... eu já os teria exterminado a todos... e se eu for ter que matá-lo para conseguir aquilo que eu quero eu vou... — As palavras fizeram Gregori congelar, se virou para a filha, mas no momento em que a ira da garota iria cair sobre ele, Serghei acertou a cabeça da irmã pelas costas, fazendo ela cair desacordada sobre o chão.

— Não se zangue com ela... Não é ela... Alessia possui algo em seu corpo... em seu sangue que a controla toda vez que ela ferve em raiva... Aconteceu quando ela matou aquele Lupino errante, e algumas vezes mais brando quando ela lutou contra Cornnell... Mas nunca a vi dessa forma... tão...

— Selvagem... eu acho que estava certo sobre a magia que minha esposa lançou sobre eles... Eu acho que Alessia tem uma besta que quer acordar dentro de si... Mas o feitiço está a contendo.. e com isso a transforma nessa fera... Leve-a, e ao Cornnell. Leve os dois para dentro e deixe que eu cuide do resto...

Serghei concordou, olhou por um segundo para o que havia restado a sua volta e então colocou a irmã nas costas, carregando-a junto a si. O sol logo começaria a nascer e naquele instante diante de várias espadas fincadas sobre o solo se veria cinzas, várias delas se perdendo na floresta, estas que deixavam os corpos remanescentes de vários Caminhantes.

Vínculos de Sangue - Cronicas dos Filhos das TrevasOnde histórias criam vida. Descubra agora