Reencontro

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 O corpo da princesa relaxou devagar, apesar de não estar arfando ou cansada, sentia que aquela onda que deixava seu corpo levava momentaneamente a necessidade de sangue. Com a cabeça apoiada sobre o peitoral de Vallerius, ela sentiu o toque sutil dele sobre seus cabelos, acariciando-a como se fosse um pequeno animal, logo em seguida levando até seu queixo e o erguendo para que seus lábios tocassem os dela.

— Levante-se, precisamos começar a nos mover. Já sabe o que fazer não é? — Ainda entorpecida pela onda de prazer, Alessia apenas meneou a cabeça, por fim começando a se erguer. Suas roupas estavam rasgadas, sujas e tinha certeza que iria precisar no mínimo conseguir roupas novas ali dentro, além de se banhar. Viu Valerius se vestir, descartando a blusa rasgada antes de voltar para ela novamente. — Eu estarei esperando-os além da cidade, eles ainda não sabem quem eu sou. Por isso você ficará aqui, mas não se esqueça, eu estarei de olho em você, se alguma coisa acontecer.

E Alessia acreditava nisso, acreditava e confiava sua vida nele, enquanto o mesmo desaparecia nas trevas. Era estranho, pensava enquanto começava a andar pela mansão, achava que o que sentia por ele não era uma espécie de amor, uma devoção talvez. Certamente sentia tesão por ele, o admirava profundamente, mas agora, saciada e longe de seus olhos, Alessia começava a duvidar do caminho que estava trilhando. E até mesmo isso ele lhe explicou, o sentimento de culpa a cada refeição que fazia, a cada vez que tirava uma vida e se sentir saciada.

" Quando despertamos para a caça, não existe nada ali além do desejo de se alimentar. Você deixa de associar os humanos como algo semelhante a você e por isso se torna mais fácil, e até prazeroso matá-los. E quando esse torpor terminar, vem o sentimento de culpa e repulsa... mas não se preocupe Alessia, com os anos isso deixa de incomodá-la, afinal eles irão morrer de qualquer forma.".

Essas sempre foram as palavras de Vallerius para quando ela se atormentava como agora, enquanto começava a esfregar os braços, sentindo repulsa de si mesma. Ela precisava se banhar. Deixou de lado aquela sensação, passando a andar calmamente pelo casarão e não demorou muito para encontrar ali mesmo uma banheira já cheia, a temperatura não importava, mas era o suficiente para que pudesse tirar aquele cheiro de sangue.

Enquanto retirava os restos de trapos, analisou o quarto a sua volta e não tinha dúvidas que aquele quarto pertencia ao próprio lorde e sua esposa, talvez tenha interrompido o momento de lazer de sua nova senhora e eles tiveram que deixar a mansão às pressas e fugir com o resto dos servos e empregados. Passou a se esfregar cada vez mais tentando tirar o sangue de seu corpo, aquela sensação estranha que começava a contaminá-la, assim como a dúvida de que talvez o caminho que havia escolhido havia sido o errado, e talvez, apenas talvez teria outra forma de ter feito tudo aquilo. Alessia abraçou as próprias pernas, apoiando a testa em seus joelhos enquanto tentava colocar seus pensamentos em ordem. Não adiantava agora ficar se culpando, aquela decisão foi tomada no momento em que a muitos anos atrás permitiu que Vallerius a transformasse e agora era um caminho que não poderia voltar.

O som de um estalo próximo à soleira da porta do cômodo a fez despertar de seus pensamentos, o qual rapidamente a jovem se levantou pronta para precisar atacar quando reparou no jovem garoto a sua frente, amedrontado com sua presença. Era um garoto de cabelos espetados, pretos com o rosto rechonchudo e dedos gordos, não devia ter mais que dez anos. E naquele momento ela se viu ali, naquela criança, o sangue ainda escorrendo por seus cabelos, o rosto ainda respingando do sangue das pessoas que matou, talvez fosse filho de um dos criados, de algum soldado. Ele era filho de alguém, que talvez ela tenha matado, ou talvez tenha se perdido na hora de sair dali, não importava. Alessia se aproximou do garoto, sem se importar com pudor ou com qualquer outra coisa e se abaixou perante ele, o garoto imovel, permaneceu olhando-a, talvez por admiração, ou quem sabe apenas por medo.

Vínculos de Sangue - Cronicas dos Filhos das TrevasOnde histórias criam vida. Descubra agora