O ser nas trevas

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 Quando abriu os olhos, percebeu os olhos gentis e preocupados de sua mãe, seu corpo parecia um pouco dormente, e somente depois percebeu que estava deitada em algo macio, com cobertas sobre si.

— Que bom querida que acordou... Glenda a encontrou dormindo na biblioteca, mas não conseguiu acordá-la... por isso nos chamou imediatamente e a trouxemos para cá... Fiquei tão preocupada, o que houve Alessia?

— Eu não lembro... tudo ficou escuro.

E de fato, a criança não se lembrava, algo que somente agora surgia em suas memórias que retornavam, era como se naquela época aquele pequeno fragmento havia se perdido em sua mente, obscurecido pelos olhos famintos que a observavam na escuridão. A rainha tocou gentilmente sobre a testa de Alessia, apenas para constatar que a mesma não estava com febre ou com nenhum sintoma de doença. Para a rainha, a criança parecia intacta, normal e apenas ter sofrido um apagão comum, talvez pudesse ser o primeiro sintoma do despertar de seu poder, o que fez a mulher dar um pequeno sorriso carinhoso para sua filha. Logo depois deu um pequeno beijo sobre o local e disse que ela devia descansar, um pedido o qual a própria Alessia não ousou questionar, logo em seguida sendo engolida uma segunda vez pela escuridão.

Quando despertou, ainda sentia o corpo cansado, pesado, dificuldade em se mexer como se algo a prendesse a cama, até que, como um estalo, sentiu como se flutuasse. Sua mente parecia um balão e com isso sentiu-se flutuar sobre a cama, mal sentiu se erguer, deixando os lençóis para trás. Viu apenas a figura esguia de sua mãe, sentada sobre a poltrona ao lado de sua cama, adormecida. As últimas luzes do crepúsculo acabavam de deixar o solo enquanto os pés de Alessia andavam em direção ao corredor. Era como se naquele momento o tempo estivesse parado, as primeiras tochas estavam sendo acesas enquanto a jovem garota andava pelo castelo, quase como se fosse um fantasma. Um sonho. Pensou a menina, enquanto algo dentro de si a chamava, indicando em sua intuição o caminho que devia seguir. Seguiu para o sul do castelo, para a área mais remota e sombria, o calabouço, uma área que era proibida para Alessia, e o qual era uma das poucas regras que ela seguia com prazer. Não gostava daquele lugar, era um lugar de morte e ferrugem, o cheiro e os gemidos que saiam de lá geralmente a deixava enjoada.

Mas naquela noite, todo o local estava diferente. Parecia que não havia viva alma naquele lugar, nem mesmo os odores de urina, sangue e suor humano parecia restar ali, e curiosamente a jovem menina se viu à vontade naquela ala do castelo. O lugar continuava escuro, as paredes de pedra eram cobertas de musgo e teias, mas seus olhos infantis mal conseguiam distinguir qualquer coisa no escuro das amplas celas protegidas por grades negras. E mesmo ali não se via ninguém. Alessia continuou até parar sobre uma pequena área, voltada para o meio da ala do calabouço, havia ali uma pequena mesa onde ficava o carrasco, ao fundo uma lareira e sentado entre ambos havia um soldado que roncava tão baixo que mal se ouvia o som. Alessia ignorou o homem como se ele não estivesse ali, indo em direção a lareira, o qual acessa lhe dava uma sensação de calor tão distante que pensou que talvez pudesse dançar sobre as chamas e não se queimaria. Por um momento essa ideia deslizou por sua mente, mas se esvaiu quando seus olhos foram direcionados para um pequeno detalhe próxima a lareira. Talvez em algum momento aquilo pertencesse a outra coisa, e a lareira havia sido construída sobre aquilo, mas os olhos infantis da menina conseguiram distinguir como se brilhasse. Era uma pequena fresta que dava para um espaço apertado entre a lareira e a parede, parecia haver algo que lhe lembrava asas enormes de morcego, mas agora, parecia desgastada, tirando pela parte próxima das bordas. Mas não fora isso que lhe chamara a atenção, e sim uma pequena pedra que destoava das outras, uma pedra mais clara, quase branca e que havia uma marca deformada no local, como se estivesse desgastado pelos anos.

Alessia passou a mão pelo local, a textura áspera surpreendeu a jovem menina, mas mal havia posto a palma sobre o mesmo quando a pedra se mostrou ser muito leve, e com um pequeno click ela se projetou para trás, afundando na parede. E com o som suave de arrastar, que parecia ecoar pelo ambiente ao mesmo tempo que mal parecia causar um ruído. Quando terminou a jovem se deparou com uma passagem estreita de um pequeno corredor que levava para uma escada espiralada que descia se perdendo na escuridão abaixo. E com a pouca luz que chegava até o início das escadas ela podia ver, como tentáculos, deslizando lentamente, as sombras que viviam naquele lugar. Espessa, pungente, se movendo como se estivesse viva, parecia dançar sobre o estreito corredor, chamando por ela. Sem hesitar a garota seguiu pelo caminho, conduzida por aquele chamado, não precisava enxergar, não precisava ver onde pisava, era como se instintivamente soubesse para onde deveria ir.

Vínculos de Sangue - Cronicas dos Filhos das TrevasOnde histórias criam vida. Descubra agora