Capítulo 68

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Maria;

Eu não estava sentindo o meu corpo, olhei para o teto branco da sala do postinho enquanto ouvia os barulhos de tiros lá fora.

Eu estava sozinha no quarto, apenas uma enfermeira me acompanhava, Kauã deixou bem claro que não era para ela sair em momento nenhum, acho que ele tinha medo que eu me matasse.

Eu ainda estava suja com o sangue do Luan, o cheiro dele estava impregnado em mim e todas as nossas memórias passavam pela minha cabeça nesse momento.

Eu perdi uma parte de mim.

A chuva ainda caía lá fora, deixando esse dia mais horrível do que ele está sendo.

Michelle: Maria, vamos tomar um banho?

A enfermeira falou mais uma vez, tentando me fazer respondê-la mas era inútil, minha boca não funcionava. Eu não conseguia falar nem uma palavra se quer, eu estava em estado de choque.

Minha única reação foi mais uma vez entrar em uma crise de choro, eu estava sedada. Tão sedada que as vezes eu me perguntava o motivo de eu estar deitada naquela cama de hospital.

Meu irmão pediu para fazerem isso comigo, lembro dele ter dito que eu poderia entrar em uma crise de ansiedade ou de pânico muito forte então fizerem o possível para me "controlarem"

Quando a enfermeira me tocava eu me esquivava, eu só queria ficar deitada naquela cama para sempre.

Não queria voltar a ter a imagem do corpo morto do Luan em cima das minhas coxas, não queria aceitar que ele tinha ido e ainda mais sem motivo nenhum.

Quem poderia ter feito isso com ele?

Depois de algumas horas olhando a chuva através da janela do quarto, senti os meus olhos pesarem momentos depois da enfermeira mexer no meu soro.

Adormeci.

-

Eu já estava limpa, o efeito dos remédios com certeza já tinham passado pois eu estava sentindo uma forte crise vindo quando o Kauã entrou no quarto aonde eu estava. Ele não tinha dormido, eu sabia que a invasão durou a noite e a madrugada inteira.

Não demorou muito para a enfermeira entrar e mexer novamente no meu soro mas a única coisa que eu percebi era que tinha amanhecido nublado novamente.

O quarto logo começou a ficar cheio, estavam todos ali, menos o Luan.

Todos tentavam falar comigo mas era inútil, eu não conseguia responder nem sequer uma palavra. Não que eu não tentasse falar, eu tentava mas não conseguia! Da minha boca não saía nem se quer um "a"

Vi uma silhueta feminina descer do meu lado, não consegui olhar para ela mas sabia que era minha mãe pelo o toque no meu punho.

Ouvia também uma voz bem baixinha dizendo "Por que não me avisaram antes, ele é o meu filho!" Era uma voz feminina que eu presumi que era da Emily. Não contaram a ela que o Luan tinha morrido?

Nem esse meu interesse em saber eu conseguia demonstrar, era como se eu estivesse naquele quarto e ao mesmo tempo eu não estivesse, isso era tão estranho.

Minha total atenção só ia para o tempo lá fora, começou a chover novamente e as gotas de água começaram a ficar acumuladas na janela.

Uma, duas, três, quatro, cinco, seis, sete.

Sete gotas.

Sete gotas tinham escorrido pela janela, por que sete? um número tão exato!

"Ele não sobreviveu, filha."

Falou a minha mãe que estava na minha frente, acho que todos tinham um pingo de esperança mas eu não.

Eu sabia que ele não iria sobreviver.

"Nós fizemos de tudo"

Ela continuou a falar mas as palavras não me importavam, eu mal conseguia ouvir para ser bem sincera.

Eu fiquei pensando no quanto esse tiro poderia ter doído nele, o quanto eu queria que tivesse sido eu e não ele.

O Luan era uma pessoa tão incrível.

Por que pessoas incríveis morrem primeiro?

Eu nunca tinha ido em nenhum funeral na minha vida, nunca tinha sentido a dor de perder alguém que eu amasse.

Já fiquei três noites na sala de espera desse postinho, tentando ter notícias da minha mãe ou do meu pai quando eles foram baleados.

Mas eu sabia que eles estavam vivos e que não iriam morrer.

Mas naquele momento em que eu vi o rasgão na camisa do Luan eu sabia que era o fim. Era muito sangue, muito sangue.

Aquele quarto estava uma confusão, tinha choro, tinha conversas e ao mesmo tempo tinha um silêncio enorme.

Mas que diabos aconteceu antes do Luan morrer!? Minutos antes estávamos nos falando por mensagem, ele estava feliz por ter voltado, iríamos almoçar no nosso restaurante preferido.

Aonde não importava o caos que estivesse aqui no morro, lá era um lugar de paz para nós dois. Poderíamos viver uma vida que não era a nossa, uma vida normal.

Na minha mente só ficava se repetindo a frase que ele tinha me mandado "Eu te amo para sempre"

Será que ele sabia que ele iria morrer?

O Luan não costumava dizer que me amava, mesmo ele demonstrando isso. Ele acreditava que não adiantava dizer e não demonstrar o amor.

Era raro dizer que me amava, mas eu alguns momentos ele dizia e era muito bom saber que ele estava sendo sincero já que essas três palavras com sete letras era raro sair de sua boca.

Fui tirada dos meus pensamentos quando senti alguém arrastar as minhas pernas, me sentaram na cama.

Anna: Meu amor, você está me ouvindo?

Eu não conseguia olhar para ela, agora eram oito gotas. Por que ninguém notava isso? Oito gotas estavam escorrendo pela janela.

As vozes eram como zumbidos na minha mente, era como se eles não falassem, eram apenas...Zumbidos.

Anna: Por que ela está tão dopada!? -gritou

Essa foi a única coisa que eu ouvi com clareza, minha mãe gritou, ela nunca grita.

Ela percebeu que eu a ouvi, segurei na mão dela. Mas ainda não a olhava, eu não conseguia.

Sentia os meus olhos pesados, mas eu dormi a noite toda!

Droga, por que tão pesados?

Anna: Maria, Maria meu amor. -passou a mão pelo meu cabelo- Olha para a mamãe filha.

Mas mãe, agora são nove gotas.

...

O Destino Não Quis - Vol.2 [M]Onde histórias criam vida. Descubra agora